Capítulo 76

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— Precisa descansar. — Disse, em tom suave e persuasivo.

Jamais apostaria que qualquer gesto vindo dele me transmitiria calor, o espião para mim é a representação das sombras, do mistério, do traiçoeiro desconhecido e das trevas. Mas após horas se passarem, percebi que Erone estava certo, eu de fato não estou acostumada com tamanho frio, e até momentos atrás estava arrepiada, vítima da atmosfera gelada, mas agora, mesmo sem o toque de Azriel, e apenas com a proximidade enganosa de suas mãos próximas a minha pele, foi como se tivesse colocado uma manta ao redor do meu corpo.

— Nada disso. — A tentativa de um tom descontraído foi falha, devido ao baque diante de tantas histórias trágicas que presenciei hoje — Vim para ajudar, e é o que farei.

O illyriano inspirou vagarosamente, suas iris salpicadas de um tom mais escuro que  a cor natural de avelã dançaram com as minhas em aura compassiva e observadora, com um toque de preocupação ao fundo.

— Kenna, seus olhos estão vermelhos, não só o globo ocular, mas ele por inteiro. — Sua voz cansada soou quase como um sussurro mais uma vez, que brincou com minha orelha e trouxe o mínimo de leveza ao meu peito — Os feridos vão ficar bem, eu prometo. — Assegurou, forjando o esboço de um sorriso leve que deve ter custado muito da sua energia.

Não entendo o motivo do meu rival estar sendo tão gentil comigo agora, mas acho que trazer nossa disputa a tona em uma atmosfera tão crítica seria impossível pra mim. Então a procura de mais calor, mais consolo, em busca de um acalento que pudesse me fazer esquecer o quanto esses feéricos sofreram, levei minhas mãos até as dele.

Queria trazê-las para o meu rosto, sem me importar com o que pensaria, se amanhã se vangloriaria dizendo que sou como uma admiradora por conta da carta, mesmo que o fizesse em completo desdém. Deixei todo o orgulho de lado, abri espaço pra exaustão suplicante e busquei calor em uma fonte que jamais me passou essa ideia.

Minha pele roçou na sua primeiro, mas foi o suficiente para ele afastar suas mãos das minhas como se tivesse se queimado, em um espasmo. Imediatamente, senti como se tivesse esquecido todo o conhecimento que acumulei durante minha vida, e fosse um ser totalmente ignorante. Por isso não pude evitar a feição confusa que acometeu meus traços.

Azriel fechou os olhos lentamente, e em um ritmo ainda mais desistente, baixou o queixo, como se ter feito isso fosse o episódio mais frustrante de sua vida.

— Deixe-me ver se é útil para mim, Princesa. — Madja se aproximou, entrando na frente do espião como se ele não fosse quase dois metros de puro músculo, mas sim, apenas um menino.

Ela trouxe os dedos até meu queixo e elevou meu rosto, examinando meus olhos. Em seguida emitiu um estalo com a língua, e moveu o queixo em negação.

— Está cansada demais pra ajudar, pode acabar comprometendo um paciente.

— Eu sei que posso fazer. — Insisti, mesmo ainda com a mente focado no episódio estranho que acabou de acontecer.

— Eu também, você passou a tarde adiantando o trabalho de um de meus curandeiros chefes e com isso fez com que todos os casos mais críticos, que não eram poucos, pudessem ser curados até a meia noite. Você colocou o Príncipe de Eduna pra trabalhar e eu tive a ajuda de Azriel, as vítimas que sobraram irão de fato sobreviver, não apenas porque suas situações são mais leves, mas principalmente porque agora podem receber a atenção que merecem. Isso é responsabilidade sua, Cittus me contou que o macho de cabelo platinado estava relutante e mesmo assim fez com que ele arregassasse as mangas. — A curandeira caminhou até a escrivaninha, e pegou em mãos a pedra brilhante que Azriel segurava antes — A coloração avermelhada em volta dos seus olhos indica intensa exaustão, curiosidade, pode cair dura no chão a qualquer momento, não porque estará morta, mas porque seu corpo te colocará pra dormir a força.

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