Perdi

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Nossos computadores bipam com um lembrete: reunião com toda a equipe em quinze minutos. Ajeito a sobrancelha e o batom, usando a parede como espelho. Com dificuldade, puxo meus cabelos em um coque baixo e prendo-os com o elástico que estava em meu pulso. Enrolo um lenço e pressiono-o no canto de cada olho.

As palavras "saudade de casa", embora não verbalizadas, continuam batendo em meu peito. Solidão. Quando abro os olhos, vejo que ela está em pé e pode enxergar meu reflexo. O lápis está em sua mão.

– O que foi? – esbravejo em sua direção.

Simone venceu. Ela me fez chorar.

Levanto-me e pego uma pasta. Ela também pega uma pasta e estamos claramente no Jogo do Espelho. Batemos levemente duas vezes à porta de nossos respectivos chefes.

– Entre – somos chamadas simultaneamente.

Leila está franzindo a testa para seu computador. É uma mulher mais do tipo que usa máquina de escrever. Antes de nos mudarmos para cá, de vez em quando ela usava uma máquina de escrever, e eu adorava o barulhinho rítmico das teclas vindo de seu escritório. Agora a máquina fica guardada em um armário. Leila teve medo que o Gordo do Pinto Pequeno caçoasse dela.

– Oi. Temos um encontro com toda a equipe em quinze minutos, lembra? Na sala principal de reuniões.

Ela suspira pesadamente e aponta seus olhos acinzentados em minha direção. São grandes, escuros e expressivos, emoldurados por cílios esparsos e protegidos por sobrancelhas finas. A única maquiagem que detecto em seu rosto é o batom rosado.

Ela se mudou de Brasília para cá com seus pais quando tinha 16 anos e, muito embora agora já tenha mais de 50, continua com aquele ar político em sua voz.

Leila não percebe que é elegante, o que só a torna ainda mais elegante.

Usa os cabelos curtos e arrumados. Suas unhas, também curtas, estão sempre pintadas de rosa antigo. Compra todas as suas roupas na Farfetch antes de seguir viagem para visitar seus pais idosos em Taguatinga. O suéter de lã liso que ela está usando agora deve custar mais do que três carrinhos de compras de supermercado.

Se ainda não ficou claro, eu a idolatro. Ela é o motivo que me levou a deixar de usar tanta maquiagem nos olhos. Quando crescer, quero ser Leila.

Sua palavra preferida é "querida".

–Soso, querida – diz agora, erguendo a mão. Entrego-lhe a pasta. – Está tudo bem com você?

– Alergia. Meus olhos estão coçando.

– Hum, isso não é nada bom.

Leila dá uma olhada na agenda. Para reuniões mais demoradas, teríamos nos preparado melhor, mas encontros com toda a equipe costumam ser bem diretos, já que os chefes de departamento são, em geral, os que falam. Os CEOs estão ali sobretudo para se mostrar envolvidos.

– Alan completou 50 anos?

– Encomendei um bolo. Vamos cortá-lo ao final do encontro.

– Bom para o mural – ela responde distraidamente.

Volta a abrir a boca, mas logo hesita. Percebo que está tentando escolher suas palavras.

– Bolsonaro e eu vamos fazer um anúncio ao final da reunião. É algo muito importante para você, então nós duas conversaremos logo na sequência.

Meu estômago se revira. Certamente serei demitida. Meu medo é tão grande que ela percebe.

– É uma notícia boa, querida.

Jogo do amor - ÓdioOnde histórias criam vida. Descubra agora