Tente não surtar

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Entramos em seu apartamento e ela coloca minha mala junto à sua no quarto, como se eu estivesse voltando para casa.

Uso o banheiro e, quando saio, Simone, com a concentração de uma cientista, está me preparando uma xícara de chá.

Olha em meu rosto.

– Ah, não. Não me diga.

Meu estômago quase salta para fora do corpo e me agarro à beirada do balcão. Ela sabe. Ela lê mentes. Meus olhos são como dois corações.

– Você está surtando – diz com toda a tranquilidade do mundo.

Não consigo fazer nada além de lançar um olhar desconcertante e mordiscar o lábio. Olho para a porta. Não consigo passar por Simone, ela é rápida demais.

– Sem chances. Senta no sofá – ordena já de cara fechada. – Vamos! No sofá!

Tiro os sapatos e me ajeito com o corpo curvado no sofá, abraçando minha almofada favorita.

Simone tem razão, eu estou mesmo surtando. É um surto gigantesco e já perdi completamente a voz.

Na privacidade da minha mente, converso comigo mesma. Você ama essa mulher. Você a ama. Sempre amou. Mais do que odiava.

Todos os dias, olhou para essa mulher, conhece cada cor, expressão e nuance.

Todos os jogos dos quais participou foram para estabelecer contato com ela.

Conversar com ela. Sentir os olhos dela apontados em sua direção. Tentar fazê-la perceber a sua existência.

– Sou uma grande idiota – arfo.

Abro os olhos e quase dou um grito. Simone está em pé à minha frente, segurando uma xícara e um prato.

– Não consigo perdoar esse tipo de surto – afirma enquanto me entrega meu sanduíche.

Coloca a xícara na mesinha de centro.

Desaparece por um minuto, depois

volta com um cobertor cinza. É como se ele soubesse que eu tive uma espécie de choque. Então me cobre totalmente e me entrega um travesseiro a mais. Vai saber como está meu rosto agora. Evitei me olhar no espelho do banheiro.

Meus dentes começam a tremer e estendo a mão para pegar o sanduíche, que, por sinal, está com uma aparência ótima.

Definitivamente não é um sanduíche feito de qualquer jeito. Está até cortado na diagonal, meu jeito favorito.

Mastigo como um esquilo que usa as patinhas para segurar o alimento. Meus olhos estão brilhando e minhas bochechas coradas.

– Você não me disse uma única palavra desde que a acordei. Parece em estado de choque. Suas mãos estão trêmulas. Pouco açúcar no sangue? Pesadelos? Enjoou no carro? – Simone deixa de lado seu prato com o sanduíche intocado. – Ainda está cansada? Dor no estômago?

Começa a massagear meus pés envolvidos pelo cobertor. Quando volta a se expressar, fala tão baixinho que mal consigo ouvir:

– Você já se deu conta do erro que cometeu ao escolher ficar comigo?

– Não – Sussurro ainda enquanto mastigo.

Fecho os olhos. A linha de preocupação em sua testa está me matando.

– Não?

Eu me sinto terrível. Estou arruinando o que era uma linda bolha de energia, criada durante o caminho de volta para casa.

– Hoje é domingo – respondo depois de pensar muito.

– Amanhã é segunda-feira – ela rebate.

Jogo do amor - ÓdioOnde histórias criam vida. Descubra agora