Coisas que eu sei

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– Quero saber por que você ficou tão triste hoje, Moranguinho.

É impressionante como ela parece notar as minhas mudanças de humor.

– Eu só fiquei, simples assim. Andei pensando em tudo o que está em jogo

na minha vida.

– Conte para mim.

– Não posso. Você é minha nêmesis.

– Você fica terrivelmente à vontade com sua nêmesis.

É verdade. Eu estou bem à vontade aqui.

– Não quero falar sobre mim. Nós nunca falamos sobre você. Acho que não sei nada a seu respeito.

Ela entrelaça seus dedos aos meus e descansa nossas mãos em seu

abdômen.

Faço pequenos círculos com a ponta do dedo e ela suspira com indulgência.

– É claro que sabe. Vá em frente, liste tudo.

– Sei coisas superficiais. Sei das suas camisas, dos seus olhos de jabuticaba adoráveis. Você vive à base de balinhas e, em comparação, me faz parecer uma porca. Você assusta três quartos dos funcionários da L&S, mas só porque o outro quarto ainda não te conheceu.

Ela sorri.

– Eles são um monte de maricas delicadas.

Continuo enumerando o que sei:

– Você tem um lápis que usa para motivos secretos, acredito que para registrar assuntos relacionados a mim.

Leva as roupas para a lavanderia às sextas-feiras. O projetor na sala de reuniões irrita seus olhos e lhe dá dor de cabeça.

Você é boa em usar o silêncio para deixar todo mundo morrendo de medo. É a estratégia à qual apela em reuniões. Senta-se lá e mira com seus olhos de laser enquanto os oponentes desmoronam.

Simone permanece em silêncio.

– Ah, e, no fundo, em segredo, você é boa gente.

– Sem dúvida você sabe mais a meu respeito do que qualquer outra pessoa.

Posso sentir sua tensão. Quando olho em seu rosto, Simone parece abalada. O fato de eu ficar observando a deixou espantada. Infelizmente, a próxima coisa que digo soa perturbada:

– Quero saber o que se passa em seu cérebro. Quero espremê-la como um limão.

– Por que você quer saber coisas a meu respeito, afinal? Pensei que eu seria seu ataque glorioso de sexo cheio de ódio, algo que tiraria da sua lista antes de seguir a vida com algum Senhor Gentileza por aí.

– Eu quero saber que tipo de pessoa vou usar e tratar como objeto. Qual é o seu prato favorito?

– Sorvete de baunilha. Direto do pote, com colher. E morangos.

– Destino das férias dos sonhos?

– Morangos Sky Diamond

Quando lanço um olhar de frustração, ela cede e aponta para o quadro na parede. E prossegue:

– Exatamente aquela vila toscana.

– Também tenho vontade de entrar dentro desse quadro. O que você faria lá?

– Nadaria em uma piscina com mosaicos no fundo.

Sorri ao perceber como essa imagem me agrada.

– A piscina tem alguma fonte? Tipo um leãozinho cuspindo água?

– Sim, tem. Depois de nadar, eu me sentaria à sombra para comer uva e queijo. Aí tomaria uma grande taça de vinho e dormiria com um livro no rosto.

– Você basicamente acabou de descrever o paraíso. E depois, o que acontece?

– Eu me esqueci de citar que uma bela mulher nadou comigo na piscina e também dormiu comigo ao sol. Ela está com fome. Melhor eu levá-la para comer uma massa. Carboidrato coberto com queijo.

– Estou curtindo essa fantasia gastronômica

– consigo dizer.

Quero tanto ser essa garota que estou a ponto de uivar.

– Ao anoitecer, voltaríamos à vila e eu puxaria o zíper de seu vestido. E lhe

daria champanhe e morangos na cama para mantê-la fortalecida.

– De onde você tira essas coisas?

Estou tão arrebatada que minha voz sai quase arrastada. Se essas são as

férias dos sonhos, eu não sobreviveria ao seu quarto.

– Depois eu acordaria no dia seguinte e faria tudo outra vez. Com ela. Durante semanas.

Olho para o quadro e me imagino com ela sob aquele céu arroxeado, os faróis dos carros distantes iluminando as fileiras de árvores que ladeiam a estrada.

Preciso dizer alguma coisa. Qualquer coisa. Ela está me olhando, claramente entretida.

– Vaca sortuda.

Ela dá risada do comentário. Eu lanço minha próxima pergunta:

– Vamos dizer que você está em uma ilha deserta. Quais três coisas levaria consigo?

– Um canivete, uma lona. – Ela passa um bom tempo pensando no último item. Por fim, conclui: – E você. Para poder irritá-la.

– Eu não sou um objeto. Não conto.

– Mas eu ficaria solitária demais na ilha – aponta.

Penso nela sentado sozinha durante as nossas reuniões na empresa.

– Está bem. Então estamos nos arrastando na praia e eu estou xingando você por ter me levado para tão longe da civilização e dos produtos de cabelo e batons. E aí?

Ela sorri e se move em minha direção, estremeço tanto com o movimento de seus lábios em minha orelha que quase sinto o sofá mexer. Quando sua boca pressiona a minha garganta, começo a gemer baixinho.

Ela desliga a TV e por um momento tenho certeza de que está prestes a me levar para fora da casa. Ou então me pegar no colo e me jogar em sua cama. Difícil saber.

Simone leva a mão aos meus cabelos, suavemente deslizando as pontas dos dedos, até alcançar minha nuca. Minhas pálpebras tremulam.

– Eu construiria um abrigo e encontraria um coco para você, e aí faríamos o tempo passar.

– Como? – Minha voz é praticamente um sussurro.

– Provavelmente assim.

E encosta sua boca à minha.

Jogo do amor - ÓdioOnde histórias criam vida. Descubra agora