O que há de novo?

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Marina do RH se materializa como um fantasma troncudo na passagem da porta. É uma mulher legal, mas já está cansada de nos ver causar problemas.

– O que está acontecendo dessa vez? – pergunta com as mãos na cintura.

Pelo menos, acho que é assim que ela está.

Marina veste um poncho tibetano que deve ter usado em sua última jornada de busca espiritual. É uma Saraivana, claro.

– Marina! Preparando café. Posso servi-la? –Simone leva a caneca na direção dela, que nega com irritação.

Ela a odeia muito. É das minhas.

– Estou em uma ligação urgente. Só vim aqui para separar a briga.

– Não precisa, Mari. Está tudo bem.

Mexo levemente o sachê de açúcar e vejo o café se tornar mais adocicado.

Simone coloca um sachê de chá em sua caneca.

– Não está forte o suficiente, está? – Dou uma risada falsa para o armário à minha frente e me pergunto como essa mulher sabe de que forma eu prefiro meu café.

Como ela sabe qualquer coisa que seja a meu respeito? Marina está desconfiada.

Simone olha discretamente para ela.

– Estamos preparando algumas bebidas quentes. O que há de novo na área de Recursos Humanos?

– As duas maiores briguentas da empresa não devem ficar sozinhas.

Uma extremidade de seu poncho aponta para a copa.

– Bem, isso é um problema. Nós passamos o dia todo trabalhando juntas na mesma sala. O dia todo. Eu passo entre quarenta e cinquenta horas da semana com essa mulher tão agradável. Totalmente sozinhas, nós duas. – Simone diz ironicamente.

Ela soa feliz por isso, mas o que está implícito em sua fala é "suma daqui".

– Já fiz várias recomendações aos chefes de vocês com relação a isso – Marina conta sombriamente.

A mensagem subentendida é a mesma.

– Bem, em breve eu serei a chefe de Soraya – Simone responde, e meus olhos se apertam para ela. – Mas sei ser profissional e dou conta de qualquer coisa.

O jeito como ela pronuncia "qualquer coisa" dá a entender que me considera uma deficiente mental.

– Na verdade, eu vou ser a sua chefe em breve – rebato em um tom doce feito xarope.

As mãozinhas de Marina saem de dentro do poncho. Ela as esfrega nos olhos, manchando seu rímel.

– Vocês duas me dão trabalho para o dia todo – comenta em um tom leve, mas já quase desesperada.

Sinto uma pontada de culpa. Meu comportamento é impróprio para quem

quer ser uma executiva sênior em breve.

Hora de reparar esse probleminha.

– Sei que, no passado, a comunicação entre mim e a senhora Tebet foi um pouco... complicada. Estou disposta a corrigir isso e fortalecer o trabalho em equipe na L&S – digo com a voz mais profissional que consigo e vejo seu rosto se apertar com desconfiança.

Simone aponta seus olhos como se fossem focos de laser na minha direção.

– Esbocei uma recomendação a Leila falando sobre uma tarde para focarmos em trabalho em equipe, e isso para todos... Membros da equipe corporativa, do design, executivos, finanças... – Digo com orgulho.

Chamamos esse grupo de CDEF, com base nas iniciais de cada equipe, para facilitar. Essa foi minha última ideia. E seria excelente contar isso na entrevista. Realmente excelente.

– Vou co-assinar para demonstrar meu comprometimento – Simone diz, essa maldita ladra.

Meu pulso treme com a necessidade de jogar chá quente no rosto dela.

– Não se preocupe com nada – garanto a Marina enquanto estamos à sua frente. – Vai dar tudo certo.

Seu poncho sacode entristecido enquanto seguimos caminho.

– Quando eu for sua chefe, vou fazer você trabalhar pra caralho – anuncia Simone com uma voz rouca.

Agora está mais difícil acompanhar seu ritmo, mas ainda assim eu consigo. Parte do meu café respinga no carpete.

– Quando eu for a sua chefe, vai fazer tudo o que eu mandar e, ainda por cima, com um sorriso no rosto.

Aceno educadamente para Rosangela e Lula enquanto passamos por eles. Viramos em um canto, tal qual cavalos de corrida.

– Quando eu for a sua chefe, qualquer coisa além de três erros nos seus cálculos financeiros resultará em uma advertência por escrito.

Murmuro bem baixinho, mas ainda assim ela me ouve:

– Quando eu for a sua chefe, serei condenada por assassinato. - digo revirando os olhos

– Quando eu for sua chefe, vou implementar uma política de vestimentas. Já basta dessas suas roupinhas retrô. Aliás, já pensei no catálogo de roupas corporativas. Um vestido cinza. – Ela faz uma pausa dramática. – Poliéster.

Jogo do amor - ÓdioOnde histórias criam vida. Descubra agora