Algo como?

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– Faça um favor a si mesma e fique em casa esta noite. Sua aparência está horrível.

– Obrigada, Doutora Tebet. Aliás, por que o Gordo do Pinto Pequeno te chama de doutora?

– Porque meus pais e minha irmã são médicos. É o jeito que ele achou para

lembrar que eu não desenvolvi todo o meu potencial.

Seu tom indica que eu sou parte da classe baixa da cidade, e ela então se levanta.

Acompanho Simone pelo corredor, em direção à fotocopiadora. Ela não diminui o passo, então agarro seu braço.

– Espere um minuto. Eu estou tentando corrigir essa situação. Você está certa, sabia? Eu vim hoje na esperança de que esses últimos dias juntas pudessem ser diferentes.

Simone abre a boca, mas eu me mantenho no controle. Ela está me deixando prende-la contra a parede, mas nós duas sabemos que ela poderia me erguer como se eu fosse uma peça de um jogo de xadrez, se assim quisesse.

Ouço passos. Alguém de salto alto vem em nossa direção e minha frustração só aumenta. Preciso dar um jeito nisso agora ou então vou sofrer um aneurisma.

A despensa de produtos de limpeza vai ter que funcionar. Por sorte está destrancada, então entro e fico em meio a produtos de limpeza e aspiradores de pó.

– Entre aqui.

Relutante, ela obedece, então fecho a porta e apoio o corpo contra ela. Permanecemos em silêncio enquanto os passos fazem uma curva e seguem seu caminho.

– Aqui é confortável. – Simone bate o pé em um pacote de rolos de papel higiênico. – Então, o que você queria dizer?

– Eu estraguei tudo. Sei que estraguei.

– Não há nada que estragar. Você me irritou, só isso. O status quo foi mantido.

Ela apoia um cotovelo na prateleira para passar a mão nos cabelos e sua camisa desliza um pouquinho para fora da calça.

Estamos tão próximas uma da outra que posso ouvir o tecido esfregando em sua pele.

– Pensei que talvez a guerra pudesse chegar ao fim. Pensei que talvez pudéssemos ser amigas. – Seus olhos brilham com desgosto, então talvez agora seja a hora certa de falar tudo. – Simone, eu quero que sejamos amigas. Ou algo assim. Não tenho ideia do motivo disso, afinal, você é horrível.

Ela ergue um dedo.

– Há algumas palavras interessantes no meio do que você acabou de dizer.

– Eu digo muitas palavras interessantes. É você que nunca as ouviu.

Esfrego os olhos até meus dedos estalarem, e então me dou conta do que está acontecendo.

O motivo da minha crescente angústia é o seguinte: eu jamais voltarei a ver esse lado gentil que ela esconde. Penso em suas mãos apoiadas nas laterais do meu travesseiro, penso em Simone conversando comigo enquanto estou febril.

Suas mãos deslizando facilmente por minha pele.

Neste exato momento, ela parece querer me lançar na fogueira. Foi minha amiga por alguns instantes, por uma noite de delírio, e terei de me satisfazer com isso.

– Ou algo assim – ela ecoa, usando os dedos para marcar aspas no ar. – Você disse que queria que fôssemos amigas ou algo assim. O que exatamente significa "algo assim"? Quero saber quais são as minhas opções.

– Provavelmente inclui não nos odiarmos. Sei lá.

Tento me sentar em algumas caixas empilhadas, mas elas amassam, então volto a ficar em pé.

Jogo do amor - ÓdioOnde histórias criam vida. Descubra agora