Péssimo fim de jogo

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Empurro Kevin, do contas a receber, na direção de um abrigo quando uma chuva de balas de tinta rosa cai perto de nós.

– Vai! Vai! – estimulo como uma líder de equipe da SWAT enquanto Beatriz avança em direção à bandeira e as balas de tinta caem ao redor de seus pés.

Durante a terceira partida, quando pego a bandeira, fica claro que estou mesmo passando mal.

Eu sabia que era trágico eu me sentir triunfante, mas, francamente, a sensação era a de ter escalado o Everest.

Meus colegas de equipe gritavam e Samantha – uma JB jogadora de basquete – me ergueu e me fez girar. Tive que segurar o vômito.

Meus braços tremiam por causa do esforço de segurar a arma. Tudo parecia ligeiramente surreal, como se a qualquer momento eu fosse acordar de um terrível cochilo no meio da tarde.

O céu é um domo esbranquiçado.

Observo os rostos à minha volta, brilhando com suor. Sinto uma ligação com essas pessoas.

Vejo um Saraiavano comemorar com um JB, os dois rindo. Estamos todos unidos nesse jogo.

No fim das contas, talvez a ideia de Simone tenha sido boa. Talvez a única maneira de realmente unir as pessoas seja com batalha e dor. Confronto e competição. Talvez sobreviver a algo seja o motivo.

E, a propósito, onde está Simone? Não o vejo durante o resto da tarde, exceto quando as equipes se reagrupam.

Toda vez que alguém corria entre as árvores, meus olhos me confundiam. Eu a via se ajoelhando, carregando a arma e atirando. Via o contorno de seus ombros e a curva de sua coluna. Mas então eu piscava os olhos e era outra pessoa.

Estou esperando o tiro fatal. Uma mancha vermelha e enorme, direto no coração.

– Onde está Simone? – pergunto aos marechais com as bandeiras, mas eles dão de ombros. – Onde está Simone? – pergunto a todos que passam. – Onde está Simone?

As respostas começam a vir curtas e irritadas.

Puxo minha roupa de proteção, mesmo em meio aos estouros dos tiros. Puxo a gola em vão, expondo apenas meio centímetro de pele suada ao ar frio. E aí vomito. Nada além de água e chá.

Não tive fome na hora do almoço. Nem no café da manhã. Chuto um pouco de terra sobre o vômito e seco a boca com as costas da mão. Tudo gira tão rápido que me vejo forçada a me agarrar a uma árvore.

O ar começa a esfriar quando a última buzina ecoa e voltamos ao QG. Todos estão visivelmente exaustos e há um rebuliço enorme enquanto tiramos nossas roupas de proteção. Todo mundo resmunga. Sargento Paintball parece avaliar suas escolhas.

Simone está parada com uma mão no quadril. Instintivamente aponto a minha arma. É chegada a hora.

Soraya versus Simone, a aniquilação total.

Ela se aproxima de mim, totalmente despreocupada com a minha pose, e pega a arma.

Tiro meu capacete. Ela se posiciona atrás de mim e seus dedos deslizam por minha nuca suada.

É como se Simone tocasse em um circuito elétrico, o que me faz gemer. Ela pega o zíper da minha roupa de proteção e o puxa para baixo. Viro-me para tirá-la, afastando suas mãos.

– Você está passando mal – ela acusa.

Dou de ombros despreocupadamente e subo as escadas, a caminho de onde Leila e o Gordo do Pinto Pequeno esperam.

– Parece que tivemos um excelente trabalho em equipe – ela elogia.

Aplaudimos discretamente, animando uns aos outros.

Ergo a bainha da minha camiseta. As feridas são arroxeadas.

O cheiro de café me causa enjoo. Posiciono-me à frente do grupo. Simone está se aparecendo demais. Eu posso melhorar isso.

– Posso pedir aos nossos marechais para se levantarem e discutirem as demonstrações de trabalho em equipe e de coragem que testemunharam?

Os marechais fazem suas observações e eu tento compreendê-las. Sara aparentemente causou uma comoção ao permitir que seus colegas de equipe avançassem e alcançassem a bandeira.

– Tomei quatro tiros por isso – Sara conta, encostando a mão no quadril e estremecendo.

– Mas você tomou os tiros em nome do seu time – fala o senhor Bolsonaro, saindo de seu estupor, o qual começo a desconfiar ser provocado por medicamentos prescritos. – Bom trabalho, jovem.

– E, por falar em coragem... – Maria começa, e meu estômago afunda. – A pequena Soraya aqui fez uma coisa muito notável.

Todos aplaudem e eu aceno com a mão, pedindo para pararem. Se mais alguém me chamar de "pequena", "pequenininha" ou "ridiculamente pequena", vou começar a distribuir golpes de caratê. Maria continua:

– Ela tomou pelo menos dez balas por uma colega hoje, protegendo-a de alguém que pesou demais a mão, cujo nome permanecerá em sigilo. – E olha diretamente para Roberto, que se abaixa no chão como um cão arrependido. Outras pessoas fecham uma carranca para ele. – Ela ficou na frente da colega, com os braços abertos, protegendo-a com a própria vida! – relata, imitando as minhas ações, com os braços abertos como os de um espantalho, corpo sacudindo ao simular os tiros.

É uma boa atriz. E continua seu relato:

– E, para minha surpresa, vejo que não era ninguém menos do que Simone Tebet que Soraya estava protegendo!

Todos começam a rir. Nossos colegas trocam olhares animados e duas garotas do RH cutucam uma à outra.

Maria prossegue:

– Mas... mas aí, ela se virou para protegê-la e tomou balas de tinta nas costas! Para protegê-la! Foi um gesto e tanto!

Um fato curioso: Maria lê histórias românticas na cozinha no horário do almoço.

Observo os olhos de Simone, e ela seca a testa com o antebraço.

– Parece que o paintball fez todos nós nos aproximarmos hoje – consigo dizer, e todos batem palmas.

Se estivéssemos em um episódio de algum programa de TV, agora seria a hora da moral da história: parem de odiar uns aos outros.

Leila está satisfeita; seus lábios, repuxados em um sorriso.

O grande prêmio, o dia de folga, é concedido a Sara, e ela aceita o certificado improvisado com uma reverência.

Debora tirou boas fotos de ação, e eu lhe peço para me enviar, para eu poder fazer a newsletter da editora.

Leila me segura pelo cotovelo.

– Lembre-se: segunda-feira eu não vou trabalhar. Estarei meditando debaixo de uma árvore.

O pessoal segue a caminho do ônibus e eu dou graças por agora ser difícil reconhecer quem é da Saraiva e quem é da Leitura B.

Todos estão com uma aparência tenebrosa; roupas surradas e rostos vermelhos e suados. A maquiagem da maioria das mulheres as faz parecer ursos panda.

Apesar do desconforto físico, há uma nova sensação de camaradagem.

Leila e o senhor Bolsonaro saem outra vez dirigindo como se estivessem no meio da Corrida Maluca.

Os maridos ou esposas de alguns dos membros da equipe vêm buscá-los, e há uma confusão de carros e terra.
















CADÊ A ESTRELINHAAAAAAAAA?...

Amo vcs, obrigada por lerem!!

Jogo do amor - ÓdioOnde histórias criam vida. Descubra agora