Terapia com a Leila

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Quando chego ao escritório na sexta-feira, Simone é uma enorme fantasma off-white no canto de meu ângulo de visão.

Penduro meu casaco e vou direto ao escritório de Leila. Hoje ela chegou cedo.

Eu poderia envolvê-la em meus braços e apertá-la.

– Já cheguei – aviso.

Leila faz um gesto me convidando para entrar, e eu fecho a porta ao passar. – Tudo certo?

– Simone também entregou a documentação. E dois candidatos de fora da empresa até agora. Como foi seu encontro? Está tudo bem?

Ela é sempre a imagem da compostura.

Hoje, está usando um blazer sobre o que provavelmente é uma blusa de seda pura enfiada por dentro da calça. Leila usa sempre roupas elegantes e fica linda usando verde. Espero que ela deixe seu guarda-roupa de herança para mim quando morrer.

Relaxo o corpo na cadeira.

– Deu tudo certo. Rodrigo Pacheco, da equipe de design. Espero que isso não seja problema. Ele vai deixar a empresa em algumas semanas para trabalhar como freelance.

– Uma pena. Pacheco é muito bom no que faz. E você sair com ele não é problema nenhum.

Minha mente volta a pensar no beijo de Simone no elevador. Isso, sim, é um problema.

– Mas alguma coisa aconteceu?... –  Leila arrisca.

– Eu tive uma discussão pesada com Simone antes do encontro e acabei ficando mexida. Acordei me sentindo instável, sentindo que, se eu aparecesse aqui, nós duas sairíamos levados por paramédicos, ensopadas de sangue.

Leila me olha com ares de especulação.

– Por que motivo vocês discutiram?

Talvez não seja boa ideia extravasar meus problemas pessoais com Leila.

Estou sendo extremamente antiprofissional.

Minhas bochechas esquentam e, quando não consigo pensar em uma mentira, resumo o que aconteceu:

– Ela pensou que eu estivesse mentindo quando falei que tinha um encontro. Como eu sou idiota!

– Interessante – ela fala lentamente. – Você já pensou melhor nisso?

Dou de ombros. Só obsessivamente, a ponto de me fazer perder o sono.

– Estou brava comigo mesma por tê-la deixado me irritar. Você não tem ideia de como é difícil passar o dia sentada de frente para ela, tentando resistir a seus ataques constantes.

– Eu tenho uma ideia. Chamo isso de "diplomacia arriscada".

Leila aponta o polegar na direção da parede.

Ela é a pessoa perfeita em quem confiar. O senhor Bolsonaro está do outro lado da parede agora, tramando maneiras diversas de assassiná-la. Ela acompanha meu olhar.

Ouvimos um espirro que mais parece uma buzina, o barulho de alguém soltando gases e alguns resmungos.

– Por que ela imaginou que você estivesse mentindo? E por que isso a deixou tão irritada assim? – indaga Leila, desenhando espirais em seu bloco de notas.

Sinto-me um pouco hipnotizada. Ela se transformou em minha terapeuta.

– Simone me acha uma piada. Ri o tempo todo do que os meus pais fazem. Tenho certeza de que ri da escola onde estudei, das minhas roupas, da minha altura, do meu rosto.

Ela assente pacientemente, esperando que eu desenvolva esse emaranhado de pensamentos.

– E me incomoda saber que ela pensa isso de mim. É o que me irrita. Só quero que ela me respeite.

– Você valoriza sua reputação de ser gentil e acessível – ela complementa. – Todo mundo gosta de você. Ela é a única que resiste.

– Ela vive para me destruir.

Talvez eu esteja adotando um tom excessivamente dramático.

– E você, para destruí-la – ela aponta.

– Sim. E eu não quero ser esse tipo de pessoa.

– Não interaja com ela hoje. Você pode ficar no escritório desocupado do terceiro andar. Podemos transferir seus telefonemas para lá.

Nego com a cabeça.

– É tentador, mas não. Eu dou conta de enfrentá-la. Vou esboçar o relatório trimestral e ficar quieta. Vou esquecer que ela existe.












Oi moranguinhos, quero saber a opinião de vcs através das estrelinhas. Considero como incentivo para continuar. 😙

Jogo do amor - ÓdioOnde histórias criam vida. Descubra agora