Off-white com listras hoje, e eu tenho um X vermelho enorme na página de sexta-feira da minha agenda. Posso apostar cem dólares que há um X idêntico na agenda de Simone. É o prazo da candidatura à vaga.
Estou quase louca de tanto reler meus documentos. Fiquei tão obcecada com minha apresentação que comecei a sonhar com ela.
Preciso de um tempo. Bloqueio minha tela e observo com interesse enquanto Simone faz a mesma coisa.
Estamos sincronizados como jogadoras de xadrez.
Entrelaçamos os dedos. Ainda não vi seu lápis em movimento.
– Como Você Está, Soraya yaya? – Sua voz clara e sua expressão tranquila indicam que iniciamos um jogo raramente apreciado.
Chama-se "Como Você Está?" e basicamente começa como se não odiássemos uma a outra. Agimos como colegas normais que não querem se matar a todo momento.o. É perturbador.
– Ótima, obrigada, Simoninha. Como Você Está?
– Excelente. Vou buscar um pouco de chá. Quer que eu traga café para você? – Ela já segura sua xícara enorme. Eu odeio essa caneca.
Abaixo o olhar. Minha mão já segura minha caneca de bolinhas vermelhas.
Ela cuspiria em qualquer coisa que fizesse para mim, com certeza. Será que pensa que sou louca?
– Acho que vou com você.
Marchamos em direção à copa, mantendo passos idênticos, esquerda, direita, esquerda, direita, como os personagens caminhando em direção à câmera na abertura de Law & Order.
Para acompanhá-la, tenho que praticamente dobrar o tamanho das minhas passadas. Colegas deixam de lado suas conversas e nos observam com olhares de especulação.
Simone e eu olhamos uma para a outra com os dentes já expostos. Hora de agir civilizadamente como executivas.
– Ah-há-há – dizemos de maneira bem-humorada uma a outra, fazendo referência a alguma piadinha que nunca contamos.
– Ah-há-há.
Fazemos a curva em um canto do andar.
Anielle, que está na fotocopiadora, vira para nos olhar e quase derruba seus papéis.
– O que está acontecendo? – quer saber.
Simone e eu assentimos para ela e seguimos nosso caminho, unidas em nossa eterna competição para tentar descobrir quem é superior.
Meu vestido curto de listras tenta desafiar a gravidade.
– Mamãe e papai amam muito vocês, crianças – Simone diz baixinho, de modo que somente eu consiga ouvi-la.
Para a observadora casual, ela está conversando educadamente. Algumas cabeças curiosas se levantam em seus cubículos. Parece que somos criaturas de uma lenda.
– Às vezes a gente se empolga demais e acaba discutindo. Mas não sintam medo. Mesmo quando estamos brigando, a culpa não é de vocês.
– São só coisas de adultos – explico delicadamente para os rostos apreensivos enquanto passamos. – De vez em quando, o papai dorme no sofá, mas tudo bem. Ainda assim amamos vocês.
Na cozinha, estou afogando meu sachê de açúcar na caneca quando a necessidade de rir me atinge quase como uma onda do mar. Seguro a beirada do balcão e estremeço sem fazer nenhum ruído.
Simone me ignora enquanto vai de um lado a outro preparando seu chá. Ergo o olhar para ver suas mãos abrindo o armário milhas acima da minha cabeça e sinto o calor de seu corpo a centímetros das minhas costas.
É como a luz do sol. Eu tinha esquecido que pessoas exalam calor. Posso sentir o cheiro de sua pele. A necessidade de rir desaparece.
Depois que minha cabeleireira, Nísia, fez uma massagem em minha cabeça, há umas oito semanas, nunca mais tive nenhum contato físico com ninguém.
Agora eu me imagino apoiada a ela e permitindo que meus músculos relaxem. O que ela faria se eu desmaiasse? Provavelmente me deixaria caída no chão, depois me cutucaria com o pé.
Outra imagem invade meu cérebro.
Simone me segura, não me deixa cair. Suas mãos estão em minha cintura, as pontas dos dedos afundando em minha pele.
– Você é tão engraçada – digo quando percebo que estou há alguns instantes em silêncio. – Tão, tão engraçada.
E engulo ruidosamente.
– Você também – ela responde enquanto vai à geladeira.
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Jogo do amor - Ódio
RomansaSoraya e Simone são completamente opostas, mas obrigadas a trabalharem juntas elas aprendem a conviver na base do jogo do amor ou ódio... Uma convivência que leva ambas a descobrirem sentimentos que antes não eram sequer possíveis e que transforma a...