Gosto dele, é gentil

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A reunião acontece conforme o planejado.

Não me sento ao lado de Leila durante esses encontros; em geral, prefiro me sentar com os outros e socializar um pouco. É a minha forma de lembrar-lhes de que sou parte da equipe, muito embora eu ainda sinto ser deixada de lado.

Esse pessoal realmente acha que eu fofoco com Leila sobre os dias ruins deles?

Simone se senta ao lado do Gordo de Pinto Pequeno em uma ponta da mesa. Os dois são detestados e parecem ficar juntos em sua bolha de invisibilidade.

Alan fica todo alegre quando levo o bolo. Ele é algum membro bem antigo de alguma entranha da área financeira da BB's, o que me faz sentir ainda melhor por ter feito esse esforço.

Passo a bandeja com a oferta de paz coberta com chantilly na linha entre os dois campos. É assim que nós, da Saraiva, agimos. Na Leitura eles provavelmente comemoram dando uma pilha nova para a calculadora do aniversariante.

A sala está cheia de pessoas que chegaram atrasadas encostadas às paredes e empoleiradas no peitoril da janela. O barulho de conversas é ensurdecedor se comparado ao silêncio do décimo andar.

Simone em momento algum tocou no bolo, que permanece próximo a ela. Parece nunca estar a fim de comer ou fazer um lanchinho.

Preencho nosso cavernoso escritório com barulhos rítmicos de cenouras sendo mastigadas e maçãs sendo mordidas. Saquinhos e pipoca e potinhos de iogurte somem em meu estômago sem fundo.

Destruo pequenas porções de frios todos os dias e, em contraste, Simone consome balinhas. Pelo amor de Deus, esse garota tem o dobro do meu tamanho. Não pode ser humana.

Quando verifiquei o bolo, cheguei a bufar alto. De TODAS as possíveis decorações que a confeitaria poderia ter usado... sim, você adivinhou. Morangos.

Sempre lendo as mentes alheias, Simone se inclina e pega um morango. Limpa o chantilly e olha para a pequena mancha esbranquiçada em seu polegar. O que ela vai fazer? Chupá-la? Limpar o dedo com um lenço que ostente seu monograma? Deve sentir que estou observando-a, pois olha direto para mim. Meu rosto esquenta e eu desvio o olhar.

Apresso-me em perguntar a Margery como anda o progresso de seu filho, que está aprendendo a tocar trompete (lentamente) e sobre a cirurgia no joelho de Jorge Kajuru (em breve). Eles ficam lisonjeados ao perceberem que lembrei e perguntei, e respondo com sorrisos.

Acho que é verdade que estou sempre observando, ouvindo e coletando informações. Mas não é para nenhum propósito nefasto. É principalmente porque sou uma fracassada solitária.

Converso com Damares sobre sua neta (crescendo) e a reforma da cozinha de Ellen (um pesadelo). Durante todo o tempo, no fundo da minha mente escuto: "Engula o seu coração e as suas palavras, Simone Tebet. Eu sou adorável. Todo mundo gosta de mim. Sou parte dessa equipe. Você está sozinho."

Pacheco, da equipe de capistas, acena para mim do outro lado da mesa.

– Assisti ao documentário que você recomendou.

Esforço-me para lembrar, mas não consigo.

– Ah, é? Qual?

– Foi algumas reuniões atrás. Estávamos conversando sobre um documentário sobre da Vinci que você assistiu no History Channel. Eu baixei o vídeo.

Enquanto desempenho minhas funções, eu falo muita coisa, mas nunca pensei que alguém realmente me ouvisse. Há um desenho intrincado na margem de seu bloco de anotações e eu discretamente tento analisá-lo.

– E você gostou?

– Ah, sem dúvida. Ele era um ser humano incrível, não era?

– Não resta dúvida. Já eu, um fracasso enorme... Nunca inventei nada – Pacheco dá uma gargalhada.

Deslizo o olhar de seu bloco de anotações para seu rosto. Essa deve ser a primeira vez que o olho com atenção. Sinto uma pontada de surpresa no estômago quando desligo o piloto automático. Nossa, ele é bonito.

– Mas enfim... Sabia que meus dias aqui estão contados?

– Não. Por quê?

A pequena bolha de flerte em meu estômago estoura. Game over.

– Um colega e eu estamos desenvolvendo uma nova plataforma de auto publicação.

Sairei em poucas semanas. Esta é minha última reunião com toda a equipe.

– Que pena. Não para mim. Para a L&S.

Meu esclarecimento é tão sutil quanto um trator.

Não confie em mim para encontrar rapazes bonitos. Esse cara esteve sentado à minha frente o tempo todo na reunião, pelo amor de Deus! E ele vai embora.

Que droga. É hora de observar Rodrigo Pacheco mais de perto. Atraente, malhado, em forma, cabelos levemente grisalhos, mas nem tanto e cortados bem curtinhos. Alto, então combina comigo. É um dos BB's, mas um BB's atípico. Sua camisa, embora perfeitamente passada, está com as mangas enroladas. A gravata tem uma estampa discreta, composta por pequenas tesouras e pranchetas.

– Bela gravata.

Ele baixa o olhar e abre um sorriso.

– Eu copio e colo muito.

Olho para o lado, na direção da equipe de design, em sua maioria, todos usando trajes de funeral. Entendo a decisão de Pacheco de deixar a L&S, que tem a equipe de design mais enfadonha do planeta.

Em seguida, olho para os dedos de sua mão esquerda. Não há nada em nenhum deles, e Rodrigo os bate gentilmente na mesa.

– Bem, se em algum momento você quiser colaborar com alguma invenção, estou disponível. – Seu sorriso é malicioso.

– Você está fazendo freelance como inventor e também reinventando a auto publicação?

– Isso mesmo.

Ele claramente curtiu o meu trocadilho.

Ninguém jamais flertou comigo no trabalho. Dou uma olhada para Simone.

Ela está conversando com o senhor Bolsonaro.

– Será difícil inventar alguma coisa que os japoneses ainda não tenham imaginado.

Ele pensa por um instante.

– Como aqueles esfregões que os bebês usam nas mãos e nos pés?

– Sim. E você já viu aqueles travesseiros com o formato dos ombros de um marido para as mulheres usarem?

Seu maxilar é angular e pontilhado pela barba por fazer, e ele tem aquela boca ligeiramente cruel – até sorrir. E agora ele está sorrindo, e me fitando nos olhos.

– Você certamente não precisa de um desses, precisa? – arrisca, falando mais baixo em meio à tagarelice do pessoal.

Seus olhos brilham, desafiando-me.

– Talvez.

Faço uma expressão de pesar.

– Tenho certeza de que será fácil encontrar um voluntário.

Tento recobrar a compostura. Infelizmente, minhas palavras soam como se eu o estivesse pedindo em casamento:

– Talvez fosse divertido inventar alguma coisa.

Leila está arrumando seus papéis e, relutante, viro-me em minha cadeira.

Simone me observa com olhos furiosos.

Jogo do amor - ÓdioOnde histórias criam vida. Descubra agora