...
Vou para casa cedo, conforme sugestão de Leila, e procuro algo com que me ocupar.
Graças a Simone, tudo está arrumado.
Procuro novos leilões dos Smurfs na internet e faço uma breve avaliação da minha coleção até agora.
Conto os Papai Smurfs.
Olho para a geladeira vazia e penso no arco-íris de frutas e legumes da Simone. Decido fazer uma xícara de chá, mas não tenho chá em casa. Poderia ir à loja, mas bebo apenas um copo de água. Sinto frio e visto um cardigã.
Agora que vi o apartamento dela, não consigo parar de olhar para o meu com novos olhos. É tão monótono.
Paredes brancas, tapete bege, o sofá de uma cor indefinida. Nada de tapetes estampados ou quadros nas paredes.
Tomo banho e me maquio, o que é ridículo.
Para que borrifar perfume no meu decote? Ou colocar uma calça jeans legal? Não tem ninguém aqui para me ver ou sentir meu cheiro. Não tenho nenhum lugar para ir. Há tanto tempo não tenho ninguém para quem ligar e com quem sair nesta cidade.
Sento e percebo meu joelho tremendo.
Meu interior está latejando.
Sinto como um ímã, tremendo com a necessidade de me movimentar. É assim que os viciados se sentem? Começo a me dar conta do que está acontecendo, mas não posso admitir para mim mesma, ainda não.
Segurar o telefone e olhar para um contato, alguém já definiu isso como aterrorizante?
Simone Tebet... quando eu deveria estar aqui olhando para:
Rodrigo Pacheco.
Deveria ligar para o Rodrigo, convidá-lo para me encontrar para ir ao cinema ou jantar.
Poderíamos trabalhar no meu projeto. Ele é meu novo amigo. E me encontraria onde eu quisesse em vinte minutos. Posso apostar que sim. Já estou vestida. E pronta. Mas não faço isso. Escolho fazer algo que acho que jamais fiz.
Aperto o botão "Ligar".
Imediatamente desligo e jogo o telefone na cama como se fosse uma granada. Seco as palmas úmidas nas coxas e deixo uma expiração chiada escapar.
Meu celular começa a tocar.
Chamada recebida: Simone Tebet
– Ah, oi – consigo dizer em um tom discreto quando atendo.
Afundo a palma de mão na têmpora. Não tenho dignidade nenhuma.
– Ligação perdida. Tocou só uma vez.
Tem uma música alta tocando ao fundo. Simone deve estar bebendo em algum bar, cercado por modelos altas com vestidos brancos curtos.
– Você está ocupada. A gente se fala amanhã.
– Estou na academia.
– Cárdio?
– Musculação. Eu levanto peso à noite.
A resposta deixa implícito que ela faz cárdio em algum outro momento do dia. Simone solta um leve gemido e então ouço um metal pesado batendo em alguma coisa.
– E aí, o que está rolando? Não diga que deixou o celular no bolso e me ligou sem querer.
– Não.
Fingir é inútil.
– Interessante.
Ouço um barulho abafado, parece um tecido, talvez uma toalha, e uma
porta fechando. A música desagradável fica mais baixa.
– Agora estou aqui fora. Não sei se meu identificador de chamada já viu o seu número na vida.
– Pois é... Também estava me perguntando isso. – Uma pausa pesada se instala. – Não, não é nada ligado ao trabalho.
– Que pena. Estava com esperança de que Bolsonaro tivesse sofrido uma embolia fatal.
Dou risada. Aí fico sem jeito.
– Eu estou ligando porque...
... porque eu não vi você hoje. Porque estou tendo sentimentos confusos e me sinto desesperadamente triste e, por algum motivo, ver você poderia melhorar essa dor estranha em meu peito. Porque não tenho amigos, exceto você. Mas você também não é minha amiga.
– Sim...
Ela não está me ajudando. Não, mesmo!
– Estou com fome e não tenho comida em casa. E também não tenho chá. E meu apartamento é frio. E estou entediada.
– Que vidinha mais infeliz.
– Você tem muita comida e chá. E seu sistema de aquecimento funciona melhor do que o meu, e eu... – Agora não há nada além de silêncio na linha. Diante disso, prossigo, morta de vergonha: – E eu não fico entediada quando estou com você. Mas é melhor eu...
Ela me interrompe:
– É melhor você ir lá para casa, então.
O alívio se espalha por meu corpo.
– Quer que eu leve alguma coisa?
– O que você poderia levar?
– Posso pegar alguma coisa para comer no caminho.
– Não, não precisa. Eu tenho algumas coisas para preparar em casa. Quer que eu busque você?
– É melhor eu ir com meu carro.
– Provavelmente é mais seguro.
Nós duas sabemos o motivo. Se não fosse assim, seria fácil demais eu passar a noite lá.
Já estou pegando a bolsa, o casaco e as chaves. Meus pés já estão calçados.
Estou trancando a porta e correndo a caminho do elevador.
– Você vai me mostrar os músculos que malhou?
– Pensei que você me quisesse por mais do que isso.
Ouço-o dando partida no carro. Pelo menos eu não sou a única impaciente.
– Vamos ver quem chega primeiro. Quero ver você todo suada. Precisamos empatar nisso também.
– Me dê meia-hora. Não, uma hora – ela soa eufórica.
– Vou esperar no lobby.
– Não saia de casa ainda.
– Até daqui a pouco – respondo antes de desligar.
Começo a rir quando dou partida no carro e me integro ao trânsito. Esse é um jogo novo, o Jogo da corrida, com dois carros em pontos diferentes da cidade acelerando rumo a um ponto de encontro.
É assustador perceber que quero estar em seu apartamento, em seu sofá, tão rápido a ponto de meus joelhos tremerem impacientes quando tenho que parar no semáforo vermelho.
Eu apostaria qualquer coisa que ela também se sente assim.
Quando estou correndo pela calçada para chegar à entrada do prédio, basicamente esgotei todas as minhas desculpinhas, minhas ressalvas, meu raciocínio. E agora nos resumimos a isso. Corro para chegar ao lobby.
Não vi Simone o dia todo e sinto saudade dela.
O elevador está com a seta para cima acesa. Seguro a respiração.
O elevador para.
"Ela não consegue te imaginar com alguém além dela."
As portas se abrem e lá está ela.
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Jogo do amor - Ódio
Storie d'amoreSoraya e Simone são completamente opostas, mas obrigadas a trabalharem juntas elas aprendem a conviver na base do jogo do amor ou ódio... Uma convivência que leva ambas a descobrirem sentimentos que antes não eram sequer possíveis e que transforma a...