Acabando comigo

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– Você está suando – avisa Simone com a testa franzida.

Talvez não, então.

Ouço um graveto estalar e percebo que há alguém se aproximando. Incerta, ergo a mão apontando na direção; Simone assente.

Minha hora é essa e ela precisa pegar a bandeira. Agarro sua roupa de paintball e faço-a dar meia-volta e ficar atrás de mim, contra a árvore.

– O que você está...? – ela começa a dizer, mas estou analisando o terreno em busca de uma emboscada. Sou Lara Croft apontando armas, olhos queimando com o gosto da retaliação. Avisto o cotovelo do inimigo atrás dos barris.

– Vá! – grito. Com minha pesada luva, apoio o dedo no gatilho. – Eu cubro você.

E no mesmo instante acontece. Pow, pow, pow. A dor se espalha por meu corpo – braços, pernas, barriga, peito. Chego a uivar, mas os tiros continuam, manchas de tinta por toda a minha pele. Um enorme exagero.

Simone nos faz girar e usa o próprio corpo para bloquear os tiros. Sinto-a estremecer conforme ainda mais tiros a atingem e ela levanta o braço para proteger a minha cabeça.

Será que posso parar o tempo e tirar uma soneca bem aqui no seu peito?

Ela vira a cabeça e grita furiosa com nosso agressor. Os tiros cessam e, ali por perto, ouço Jorge comemorando o triunfo, vejo-o chegar ao topo da colina e segurar a bandeira. Droga. Meu único trabalho e ela não me deixou concluir.

– Você devia ter ido em frente. Eu estava dando cobertura. Agora, perdemos.

Outra onda de náusea quase me faz perder o controle.

– Foi mal aí! – Simone diz com sarcasmo.

Roberto está se aproximando, arma apontada para o chão. E eu estou gemendo.

A dor pulsa em pontos por todo o meu corpo.

– Desculpa, Sory. Eu sinto muito. Fiquei um pouco... entusiasmado demais. Eu jogo muito no computador.

Roberto dá alguns passos para trás ao ver a expressão de Simone.

– Você a machucou de verdade – esbraveja minha colega de equipe, e eu sinto sua mão protegendo minha cabeça.

Ela continua me pressionando contra a árvore, joelho entre os meus. E, quando olho à esquerda, vejo Maria nos observando com seus binóculos. Ela logo pega a prancheta para fazer algumas anotações. Um sorriso toma forma em seus lábios.

– Saia – ordeno, empurrando-a fortemente.

Seu corpo é enorme e pesado, e eu estou fervendo e quero arrancar essa roupa de proteção para me deitar na tinta fria.

Todos estamos ofegantes quando voltamos ao ponto de partida, debaixo do terraço.

Estou mancando e Simone segura meu braço com força, provavelmente para me fazer andar mais rápido. Vejo Leila lá em cima, ajeitando os óculos de sol. Aceno como o gatinho triste de um desenho animado.

Em volta pessoas gemem enquanto tocam com cuidado nas partes pintadas de seus corpos. Dezenas de trocas estão acontecendo. Olho para baixo e percebo que a frente do meu corpo está quase toda coberta de tinta.

A parte frontal de Simone está parcialmente limpa, mas suas costas estão uma bagunça.

Acredite, nós somos mesmo opostas.

Quando tiro as luvas e o capacete, ela me entrega sua prancheta e uma garrafa de água.

Levo a garrafa aos lábios e ela parece se esvaziar muito rapidamente. Tudo está estranho.

Simone pergunta ao Sargento Paintball se eles têm aspirina.

Pacheco traça seu caminho, passando por entre nossos colegas caídos no chão, para me encontrar. Fica muito claro como minha aparência deve estar asquerosa. Ele olha para a parte frontal do meu corpo e exclama:

– Nossa!

– Eu me transformei em um ferimento enorme.

– Preciso vingá-la?

– Sim, seria ótimo. Roberto, da equipe corporativa, é um cara combatente.

– Considere-o liquidado. E o que foi aquilo,Mone? Você atirou na minha perna e eu estava em outra partida, cara.

– Desculpa, eu me confundi – Simone responde com uma voz que respinga

falta de sinceridade.

Rodrigo protege os olhos e Simone sorri para o céu.

Nossos colegas andam cambaleando, sujos de tinta, com dor, e sem saberem ao certo o que fazer. As coisas estão começando a se desintegrar rapidamente.

Consulto a prancheta. Percebo que ela escreveu meu nome no seu time em todas as rodadas, possivelmente a pedido de Leila.

Ela jamais ficaria sabendo se eu mudasse as combinações. Está jogando Sudoku. Uso o lápis e rapidamente faço alterações antes de chamar as próximas equipes.

Resmungando, as pessoas se reúnem em seus grupos.

– Esperem, eles foram buscar o kit de primeiros socorros. É melhor você ficar descansando o resto da tarde. Você não está bem – Simone adverte.

Olho outra vez para Leila e então observo todos à minha volta. Pode ser que, em breve, eu tenha que coordenar todas essas pessoas. Esta tarde é um ensaio, sem dúvida. E não vou falhar agora.

– Sim, você me diz isso desde o dia em que nos conhecemos. Descanse o resto da tarde.

Saio andando sem nem olhar para minha nova equipe.

Esta parece ser a tarde mais longa da minha vida, mas, ao mesmo tempo, passa em um piscar de olhos.

A sensação de ser perseguida e observada é enervante e nós de fato formamos laços com as pessoas das equipes.

Jogo do amor - ÓdioOnde histórias criam vida. Descubra agora