Briga no setor JB

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É sexta-feira. Era para ser o dia da camisa cor de mostarda horrível, mas não é. Estou com a mala pronta no porta-malas do carro e passei os últimos dois dias tão nervosa com esse fim de semana que não consegui ingerir nenhum alimento sólido. Sobrevivi à base de vitaminas de frutas e chá. Nesta última noite, dormi duas horas.

É um alívio esse momento ter chegado. Quanto mais cedo sairmos daqui, mais cedo essa situação toda vai chegar ao fim.

Minha mente já esboçou todos os cenários possíveis, em meus sonhos, em todos os meus momentos acordada. E a minha única certeza é que, seja lá o que acontecer, logo tudo terá ficado no passado.

Simone está no escritório do senhor Bolsonaro há uma hora. Já ouvi vozes altas, Bolsonaro gritando e silêncio. Isso não ajudou em nada minha ansiedade.

Leila entrou lá mais cedo para intervir. E mais assustador: Marina passou apressada por mim há 45 minutos e entrou na briga. Talvez a estratégia de Simone envolva grandes cortes de pessoal e ela foi chamada para uma consulta.

Quando saiu, Marina parou em minha mesa, me analisou e deu risada. Foi o tipo de risada com um toque de histeria, como se ela tivesse acabado de ouvir a mais engraçada das piadas.

– Boa sorte – ela me diz. – Você vai precisar. Isso está além da alçada do RH.

Nós fomos descobertas. Alguém me viu junto da Simone; fomos flagradas. Rodrigo contou alguma coisa. Já está na boca de todo mundo. Esse cenário não apareceu em meus devaneios. Abaixo-me e pressiono a maçã do rosto ao joelho. Inspire, expire.

– Querida!

Leila está alarmada quando encosta em minha mesa. Minha visão está turva. Tento me levantar, mas cambaleio. Ela me faz sentar outra vez e me entrega uma garrafa de água.

– Está tudo bem com você?

– Eu vou desmaiar. O que está acontecendo aqui?

– Eles estão conversando sobre as entrevistas. A ideia de Simone para o futuro

não está exatamente alinhada com a do Bolsonaro.

Leila puxa uma cadeira e se senta ao meu lado. Estou prestes a ser demitida. Começo a ofegar.

– Eu estou encrencada? Ela está fazendo alguma espécie de pré-entrevista?

Por que não estou fazendo uma também? E por que o RH está envolvido? Ouço grito atrás de grito daqui. E Marina falou uma coisa assustadora: que eu ia precisar de sorte. Estou encrencada? – termino com o mesmo questionamento doloroso com o qual comecei.

– É claro que não. Os dois estão tendo uma discussão horrível ali dentro, querida. Eles discordaram o tempo todo. Achei melhor chamar Marina para lembrá-los de ter um pouco de etiqueta profissional. Nada pior do que um homem e uma mulher brigando na empresa igual um casal em crise.

Leila me olha de um jeito estranho. Minha aparência deve estar terrível.

– Ela está...? – Engulo minhas palavras, mas Leila não vai me deixar sair ilesa.

– Ela está o quê?

– Ela está bem? Simone... ela está bem?

Leila confirma com a cabeça, mas sei que ela não está bem. Os últimos dois dias foram exaustivos. Simone não demonstrou nada além de civilidade, mas agora posso ler melhor do que nunca as nuanças em seu rosto.

Está cansada, triste e estressada. Não consigo decidir o que é pior: manter contato visual ou não.

E eu entendo. Realmente entendo.

Jogo do amor - ÓdioOnde histórias criam vida. Descubra agora