Ruína

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Avisto Pacheco no bar, com uma garrafa de cerveja dependurada entre os dedos.

Atravesso a multidão e me lanço em seus braços. Pobre Rodrigo, que chegou adiantado como um bom cavalheiro, sem ter a menor ideia de que concordou em passar a noite com uma mulher insana.

– Oi! – Rodrigo fica contente. – Você chegou!

– É claro! – deixo uma risadinha trêmula escapar. – Depois do dia que enfrentei, preciso de um drinque.

Agarro-me ao banco do bar como um jóquei a seu cavalo. Rodrigo acena para o garçom.

Tacos de basebol idênticos balançam nas telas posicionadas acima do bar. Sinto a memória da boca de Simone na minha e levo meus dedos trêmulos aos lábios.

– Um gin com tônica enorme. O maior que você puder fazer, por favor.

O garçom traz a bebida e eu coloco metade do conteúdo na boca. Acho que talvez tenha deixado um pouco escorrer pelo queixo.

Passo a língua nos cantos dos lábios e ainda sinto o gosto dela. Rodrigo me olha nos olhos quando baixo o copo.

– Está tudo bem? Acho que você precisa me contar sobre o seu dia.

Dou uma boa olhada para ele. Percebo que trocou de roupas e está usando calças jeans escuras e uma camisa xadrez. Gosto do fato de ele ter feito o esforço de ir para casa e se trocar para mim.

– Você está bonito – elogio com sinceridade, e seus olhos brilham.

– E você está linda – ele responde com um tom intimista.

Em seguida, apoia o cotovelo no balcão do bar e mantém uma expressão sincera, sem malícia. Sinto uma bolha estranha de emoções dentro do peito.

– O que foi? – pergunto enquanto seco o queixo.

Ele me olha como quem não me odeia. Chega a ser bizarro.

– Eu não podia dizer isso no trabalho, mas sempre a achei a mulher mais linda de toda a empresa.

– Ah, bem... – Devo estar vermelha como um pimentão, e sinto minha garganta apertar.

– Você não lida bem com elogios.

– Não recebo muitos.

Ele apenas ri.

– Até parece. – Estreita os olhos e sorri

– É verdade. Exceto dos meus pais, no Skype.

Bom, os da Simone em tom de ironia não contam, né?

– Bem, eu vou ter que mudar isso, então. Agora me conte mais sobre você.

– Eu trabalho para Leila, como você sabe – começo, sem saber ao certo o que dizer. Ele assente, sua boca arqueia em um sorriso. – E é basicamente isso – acrescento. Rodrigo sorri e eu quase caio do banco. Sou tão ruim socializando que quase não consigo conversar com seres humanos. Quero estar em casa, no meu sofá, com todos os travesseiros empilhados em cima da cabeça.

– Sim, mas eu quero saber sobre você. O que faz quando quer se divertir? De onde é sua família?

Seu semblante é tão sincero e inocente e me faz pensar em crianças antes de o mundo corrompê-las.

– Posso ir ao toalete me arrumar primeiro? Eu vim direto do escritório.

Engulo a outra metade da minha bebida. O leve gosto de menta que resiste em minha boca abranda o sabor.

Ele assente e eu avanço na direção do banheiro. Fico parada na parede ali na frente, pego um lenço que está em frente ao meu sutiã e o pressiono contra o canto dos olhos. Lindo.

Uma sombra escurece o corredor e sei que é Simone. Mesmo no canto mais distante da minha visão periférica, sua forma é mais familiar do que minha própria sombra. Está segurando o casaco que deixei no banco traseiro do carro.

Explodo em risos e continuo rindo até lágrimas escorrerem por meu rosto, quase certamente arruinando minha maquiagem.

– Suma daqui – ordeno, mas ela se aproxima ainda mais.

Encosta a mão em meu queixo e estuda meu rosto. A memória do beijo flutua entre nós e não consigo olhá-la nos olhos.

Lembro-me do gemido que soltei dentro de sua boca. A humilhação toma conta de mim.

– Para. – E bato a mão nela para afastá-la.

– Você está chorando.

– Não estou. E o que você está fazendo aqui?

– Estacionar na região é um pesadelo. Seu casaco.

– Ah, meu casaco. É claro. Enfim. Estou cansada demais para brigar com você esta noite. Você venceu.

Ela parece confusa, então esclareço:

– Você já me viu rir e chorar. E me fez beijá-la quando eu devia ter esbofeteado essa sua cara de convencida. O seu dia foi bom. Vá assistir ao seu jogo e comer seus pretzels.

– Você acha que esse é o prêmio que estou disputando? Vê-la chorar? – Ela acena uma negação com a cabeça. – Não é, mesmo.

– É claro que é. Agora dê o fora daqui – ordeno mais forçosamente.

Ela se afasta e inclina o corpo contra a parede à minha frente.

– Por que está se escondendo aqui? Não deveria estar seduzindo aquele cara? – pergunta, olhando na direção do bar e esfregando a mão no rosto.

– Preciso de um minuto. E nem sempre é tão fácil, acredite.

– Tenho certeza de que isso não é problema para você.

Simone não soa sarcástica. Seco as lágrimas e olho para o lenço. Tem bastante rímel ali. Expiro trêmula.

– Você está ótima. – E essa foi a coisa mais gentil que ela já me disse.

Começo a tatear a parede na tentativa de encontrar um portal para outra dimensão ou, pelo menos, a porta do banheiro. Qualquer coisa que me leve para longe de Simone. Ela parece nervosa.

Encostada ainda contra a parede, ela passa a mão nos cabelos e seu seus fios caem lentamente ao redor de seu rosto, perfeitamente alinhados, exalando o perfume que eu odeio.

– Eu não devia ter beijado você. Foi uma atitude idiota da minha parte. Se quiser me denunciar ao RH...

– É esse o seu problema? Está com medo de eu denunciá-la? – minha voz sai mais alta quando clientes do bar se aproximam. Respiro fundo e, quando volto a falar, controlo o tom: – Você me estilhaçou por completo. Eu nem sequer sabia sua sexualidade e sempre pensei que você me odiasse, mas de repente você decidiu que seria o melhor momento para me agarrar no elevador, prestes ao meu encontro que até certo momento foi falso, mas eu tive esperanças. E eu não consigo reagir a um simples elogio porquê você me diminui a cada dia, poxa eu sempre me achei linda, mas você me faz exagerar e me esconder.

O desânimo agora está estampado em seu rosto. Prossigo:

– É por isso que estou chorando. Porque Pacheco é agradável e eu só consigo me lembrar do momento no elevador, Simone. Você me arruinou.

– Eu... – ela começa a dizer, mas lhe faltam palavras. – Soso, eu...

– Não tem nada mais que você possa fazer comigo. Hoje você venceu. Eu caí, fim.

A julgar pela expressão em seu rosto, parece que lhe dei um soco. No chão, sua sombra se afasta. Simone vai embora.

Jogo do amor - ÓdioOnde histórias criam vida. Descubra agora