Carregando sua pasta, o senhor Bolsonaro passa pela minha mesa. Deve comprar suas roupas na mesma loja onde Nhonho, do chaves, faz compras. De que outra forma encontraria ternos tão pequenos e largos? Está ficando calvo, com a pele manchada, e é rico pra caramba. Seu avô abriu a J'B Leitura. Ele adora lembrar Leila de que ela foi meramente contratada. É um velho degenerado, tanto de acordo com Leila quanto de acordo com o que vejo com meus próprios olhos. Forço-me a sorrir para ele. Seu primeiro nome é Jair. Gordo do Pinto Pequeno.
– Boa noite, senhor Bolsonaro.
– Boa noite,So.
Ele para perto da minha mesa e observa a parte da frente da minha blusa de seda vermelha.
– Espero que Simone tenha entregado a cópia do "A diáspora do povo gaucho" que eu trouxe para o senhor. É a primeiríssima cópia.
Gordo do Pinto Pequeno tem uma prateleira enorme com todos os lançamentos da L&S.
Todas as suas cópias são a primeira da primeira tiragem, uma tradição iniciada por seu avô. Ele adora se gabar da coleção para os visitantes, mas, quando dei uma olhada nas prateleiras, as lombadas denunciavam que aqueles livros nunca tinham sido abertos.
– Você quem trouxe, foi? – O senhor Bolsonaro se vira para olhar para Simone. – A doutora não me contou esse detalhe, doutora Tebet.
Gordo do Pinto Pequeno provavelmente a chama de doutora Tebet porque Simone é muito clínica. Ouvi alguém dizer que, quando as coisas ficaram realmente ruins na J'B Leitura, Simone foi a força por trás da remoção cirúrgica de um terço da força de trabalho. Não sei como essa mulher consegue dormir à noite.
– Contanto que o senhor tenha a cópia, o resto não importa – Simone responde calmamente enquanto seu chefe deixa muito claro quem é o chefe ali.
– Sim, sim – diz e olha outra vez para a minha blusa. – Bom trabalho, vocês duas.
Ele entra no elevador e eu olho para a minha blusa. Todos os botões estão fechados. O que ele estava olhando? Observo as placas espelhadas no teto e posso ver o pequeno triângulo do meu decote.
– Se você abotoasse mais, não conseguiríamos ver o seu rosto – Simone anuncia, olhando para a tela enquanto desliga o computador.
– Talvez você pudesse dizer ao seu chefe para me olhar no rosto de vez em quando.
Também faço log off.
– Ele deve estar tentando ver a sua placa de circuito. Ou se perguntando que tipo de combustível você usa. – Diz fazendo–me lembrar do meu carro.
Dou de ombros ao vestir o casaco.
– Sou movida pelo meu ódio a você.
A boca de Simone se repuxa e eu quase a venci nesse momento. Vejo-a adotar uma expressão neutra.
– Se isso a incomoda, você deveria falar com ele. Aprenda a se defender. – Olha nos meus olhos, como se fossemos amigas – E aí, vai passar a noite pintando as unhas, desesperadamente sozinha? – Revirei os olhos
Como será que ela adivinhou?
– Vou. E você, doutora Tebet? Vai passar a noite se masturbando e chorando no travesseiro?
Ela olha para o último botão da minha camisa.
– Exatamente. E não me chame assim.
Engulo minha risada. Vamos nos empurrando de uma maneira nada amigável até o elevador. Ela aperta o botão da garagem, eu aperto o do térreo.
– Vai andando?
– Meu carro está na oficina.
Calço minha sapatilhas e jogo o sapato de salto alto na bolsa. Agora estou ainda mais baixinha. Na superfície ligeiramente polida do elevador, percebo que quase nem alcanço o ombros levemente firmes e largos de Simone. Pareço uma chihuahua ao lado de um dogue alemão.
As portas do elevador se abrem para o saguão do prédio. O mundo fora da L&S é uma mancha azul: frio feito uma geladeira, repleto de estupradores e assassinos, e tomado por uma garoa leve. Uma folha de papel é levada pelo vento, parecendo sugerir algo.
Ela usa sua mão delicada e firme para segurar a porta do elevador aberta e coloca a cabeça para fora para ver como está o tempo. Em seguida, volta aqueles olhos escuros e brilhantes na direção dos meus, sua testa começando a franzir. Aquela bolha conhecida se forma em minha cabeça. Eu queria que ela fosse minha amiga. Estouro a tal bolha com um alfinete.
– Dou uma carona para você – ela se força a dizer.
– Ah, mas nem morta! – digo por sobre o ombro.
E saio correndo.
Olá Moranguinhos, espero que tenham ficado curiosos com esse comecinho da história, deixa a estrela e um comentário para eu saber sua opinião.
Obrigada por lerem!
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Jogo do amor - Ódio
RomanceSoraya e Simone são completamente opostas, mas obrigadas a trabalharem juntas elas aprendem a conviver na base do jogo do amor ou ódio... Uma convivência que leva ambas a descobrirem sentimentos que antes não eram sequer possíveis e que transforma a...