Ainda mal

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...

São 6h30 da segunda-feira da camisa branca. Me sinto tão mal que deveria ligar para o trabalho e explicar que estou doente, e Leila nem vai hoje... mas preciso ver Simone.

Pode ter certeza: fiz uma análise minuciosa de cada instante que ela passou em meu apartamento e sei que preciso me desculpar por tê-la dispensado daquele jeito.

Ela não foi nada além de decente e gentil comigo. Estávamos próximas de nos tornarmos amigas e eu arruinei tudo com a minha boca enorme.

Quando me lembro da conversa de Simone com a Eduarda, me sinto enjoada pela culpa.

Não era para eu ouvir aquilo.

Como fazer para agradecer uma colega que me ajudou a vomitar?

O livro antiquado de etiqueta da minha avó não vai me ajudar a encontrar uma resposta.

Um cartão de agradecimento ou uma fatia de bolo também não funcionariam nesse caso.

Me olho no espelho do banheiro.

A doença do fim de semana me deixou totalmente sem cor.

Meus olhos estão inchados e vermelhos.

Meus lábios, pálidos e ressecados. Parece que estive presa em uma mina.

Minha cozinha agora está um brinco. Ela empilhou as correspondências no balcão.

Abro o primeiro envelope com uma das mãos enquanto preparo chá com a outra. É uma nota amigável informando que o aluguel vai subir.

Aperto os olhos para ver se enxerguei direito o novo valor mensal e meu suspiro quase faz os Smurfs caírem das prateleiras. Aquele anúncio precipitado de deixar a L&S agora parece infinitamente mais assustador.

Como é difícil pensar em me candidatar a uma entrevista em outra empresa quando estou tão acostumada com o que faço em meu trabalho.

Tento pensar nas coisas que sei fazer bem, mas só provocar Simone me vem à mente. Sou infantil e amadora.

Sento pesadamente e tento comer cereal direto da caixa. Depois, me entrego um pouco mais ao desânimo e à falta de autoconfiança.

Abro o navegador e começo a clicar nos links de um site de recrutamento.

Fico aliviada ao ver meu telefone vibrar e o número de Rodrigo na tela. Estranho. Talvez seu pneu tenha furado.

– Alô?

– Oi, como você está? – pergunta com uma voz calorosa.

– Estou viva. Por pouco.

– Tentei ligar algumas vezes para você na sexta à noite, mas Simone atendeu todas as vezes. Cara, como ela é insuportável!

– Ela me ajudou.

Percebo como minha voz está seca e me dou conta de que já começo a ficar na defensiva.

Que diabos está acontecendo?

Ela me segurou enquanto eu vomitava.

E ligou para a irmã no meio da noite. Lavou minhas louças. E tenho certeza de que me observou enquanto eu dormia.

– Ah. Desculpa, pensei que você a odiasse. Vai trabalhar hoje?

– Sim, vou.

– Estou aqui embaixo, no lobby, caso você queria que eu... a leve ao trabalho.

– Sério? Hoje não é o seu primeiro dia de liberdade?

– Bem, sim. Mas Mitchell escreveu uma carta de recomendação e eu preciso buscar. Então, posso dar uma carona para você.

– Desço em cinco minutos.

Verifico para ter certeza de que o meu vestido de lã está fechado.

Batom nesse rosto abatido ficaria ridículo.

Jogo do amor - ÓdioOnde histórias criam vida. Descubra agora