Quando nos aproximamos, a motorista do ônibus guarda o jornal que estava lendo e abre a porta.
– Por favor, espere um pouquinho – peço a ela e corro de voltado por onde vim.
Chego ao banheiro e sinto um enjoo violento. Antes de senti-lo deixar meu corpo completamente, ouço alguém bater firmemente à porta.
Só conheço uma pessoa que bateria à porta com tanta impaciência e irritação.
– Vá embora – vou logo ordenando.
– Sou eu, Simone.
– Eu sei.
E dou descarga mais uma vez.
– Você está passando mal, eu disse – insiste, virando levemente a maçaneta.
– Eu vou para casa sozinha. Dê o fora!
E então um silêncio se instala. Imagino que Simone tenha voltado ao ônibus.
Vomito outra vez. Dou descarga outra vez. Lavo as mãos, empurrando as pernas na direção da pia até a água ensopar minha calça jeans.
– Puta merda! – As sobrancelhas de Simone estão franzidas. – Sua aparência está péssima.
Mal consigo focar os olhos. O chão gira.
– Eu não vou dar conta. De ir de ônibus. Não vou conseguir.
– Posso ligar para Leila e pedir para ela voltar. Não deve estar muito longe.
– Não, não. Vou ficar bem. Ela está indo para um retiro. Eu sei me cuidar.
Simone apoia o corpo ao batente, a testa cada vez mais franzida.
Fico rígida, ajeito a mão em forma de concha para pegar um pouco de água e umedeço a nuca. Meus cabelos estão se soltando do coque e grudam ao pescoço úmido. Enxáguo a boca.
– Tudo bem. Eu estou bem.
Enquanto nos aproximamos do ônibus, ela usa dois dedos para segurar meu cotovelo, como se eu fosse um saco de lixo. Posso sentir os olhos atentos nos observando pelas janelas do veículo.
Penso nas duas garotas que estavam cutucando uma à outra e me debato para ela me soltar.
– Posso ir até a cidade e depois voltar de carro para pegar você, mas isso demoraria pelo menos uma hora.
– Você? Voltar para me pegar? Eu acabaria passando a noite toda aqui.
– Ei, não volte a falar assim comigo, está bem? – Simone ficou irritada.
– Sim, sim. RH – digo enquanto me arrasto para dentro do ônibus.
– Minha nossa! – Maria grita. – Soraya, sua aparência está péssima.
– Sory! – Rodrigo grita do fundo do ônibus. – Guardei um lugar para você.
Mas ele está tão lá no fundo que eu me sentiria claustrofóbica. E acabaria vomitando em todo mundo.
– Desculpa – sussurro para ele antes de me sentar na primeira fileira e fechar os olhos.
Simone pressiona as costas da mão em minha testa úmida, e eu chio: – Sua mão está fria.
– Não, é você que está fervendo. Precisamos ir a um médico.
– Já é praticamente noite de sexta-feira. Quais são as chances de isso acontecer? Eu preciso ir para a cama.
O caminho para a cidade é terrível. Estou presa em um loop infinito e confuso. Sou um inseto em um pote sendo sacudido por uma criança.
O ônibus balança, quente, sem ar, e eu sinto cada solavanco e curva. Concentro- me na respiração e na sensação do braço da Simone junto ao meu.
Em uma curva particularmente brusca, ela usa o ombro para evitar que eu caia.
– Por quê? – pergunto inutilmente.
Sinto-a dando de ombros.
Somos deixados na frente da L&S.
Algumas mulheres se reúnem à minha volta e eu tento entender o que estão dizendo.
Simone me segura pela gola da minha camiseta úmida e diz a todos que estou bem.
Ela tem uma discussão intensa com Rodrigo, que me pergunta o tempo todo sobre ir com Simone.
– Tem certeza?
– É claro que ela tem certeza, porra – Simone esbraveja.
E aí ficamos sozinhas.
– Você veio de carro? – Ela pergunta
– O carro foi passar mais um fim de semana com Jerry, o mecânico. Vou pegar um ônibus.
Ela me faz andar para a frente.
Me movimento como uma marionete
arfando, suada. Minha boca tem gosto de ácido.
A escada até o estacionamento no subsolo é íngreme e eu fico relutante, mas ela me empurra, suas mãos me aperta cada vez mais forte.
Simone usa seu crachá para nos colocar para dentro e me faz seguir na direção de seu carro preto.
Sinto o cheiro de escapamento e gasolina. Sinto o cheiro de tudo.
Tenho ânsia atrás de uma pilastra; hesitante, ela apoia uma mão nas minhas costas. Esfrega os dedos ali um pouquinho. Estremeço com mais uma onda de náusea.
Simone me guia até o banco do passageiro.
Coloca minha bolsa, da qual já tinha me esquecido, no banco de trás. Liga o carro e eu me vejo no retrovisor, minha cabeça virada para o lado, as bochechas escurecidas, brilhando com o suor, o rímel derretendo.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Jogo do amor - Ódio
RomanceSoraya e Simone são completamente opostas, mas obrigadas a trabalharem juntas elas aprendem a conviver na base do jogo do amor ou ódio... Uma convivência que leva ambas a descobrirem sentimentos que antes não eram sequer possíveis e que transforma a...