A viagem

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O sol se aproxima um pouco mais do horizonte enquanto Simone nos guia pelo trânsito carregado da tarde. Parece que todos os habitantes da cidade tiveram a mesma ideia: é hora de escapar e fugir para a beleza da serra.

Preciso quebrar esse silêncio desconfortante.

– Então, quanto tempo de carro?

– Quatro horas.

– O Google Maps está dizendo cinco – rebato sem pensar.

– Sim, se você dirigir feito uma vovozinha. Fico contente por eu não ser a única stalkeando a cidade natal dos outros.

Ela suspira e freia quando um carro corta à nossa frente.

– Filho da puta!

– Como vamos passar essas quatro horas?

Sei bem o que quero fazer. Me deitar aqui, nesse banco de couro, e olhar para ela.

Quero inclinar o corpo e pressionar meu rosto junto à firmeza de seu ombro. Quero respirar e gravar tudo em minha memória, para o dia em que eu precisar.

– A gente sempre consegue passar as horas de algum jeito.

– E então, onde vamos ficar hospedados? Por favor, não diga que será na casa dos seus pais.

– Na casa dos meus pais.

Quase dou um pulo no banco.

– Puta merda! Por quê? Por quê?

– Eu estou brincando. A festa será em um hotel. Eduarda reservou um monte de quartos. É só falar que estamos lá para o casamento quando chegarmos.

– É um hotel decadente?

– Desculpa, mas não, nem de longe. Mas vou dar um jeito para você ficar sozinha em um quarto.

Ela parece estar levando muito a sério a promessa de não encostar um dedo em mim. É um balde de água fria no fogo queimando em meu coração, e agora só restam as cinzas, e eu nem sei se me sinto aliviada.

– Por que você não fica na casa dos seus pais, então?

Ela acena uma negação.

– Não quero.

Sua boca se repuxa, fazendo o rosto parecer entristecido. Em um ímpeto, dou tapinhas em sua coxa.

– Eu te apoio esse fim de semana, está bem? Como no paintball, mas a oferta só vale para esse fim de semana.

– Obrigado por me cobrir. Você foi atingida várias vezes. Até hoje não sei por que fez aquilo.

Simone aperta os olhos para protegê-los do sol. Como sou curiosa remexo tudo que tem dentro do seu carro e encontro um par de óculos escuros no porta-luvas. Pego eles e limpo as lentes na manga da blusa.

– Bem, você me fez ser a última pessoa atrás da bandeira. A mais dispensável.

– Fiz isso porque você parecia prestes a cair.

– Ao aceitar os óculos, completa: – Obrigada, Sory.

– Ah, pensei que fosse mais um dos seus truquezinhos. Não havia ninguém

para me dar cobertura. Soraya Thronicke, escudo humano.

– Eu estava dando cobertura para você.

Ela dá uma olhada no retrovisor e troca de faixa na pista.

Sinto uma leve batidas se acendendo em meu coração.

– Mas você tinha que ter visto meus hematomas.

Jogo do amor - ÓdioOnde histórias criam vida. Descubra agora