Belo discurso

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Descubro que Eduarda e Renata vão passar a lua de mel no Havaí.

– Eu sempre quis ir ao Havaí. Preciso tomar sol. A essa altura, tirar férias me parece uma boa ideia.

Afasto meu prato depois de quase lambê-lo e lembro que há uma visita à Morangos Sky Diamond no horizonte. Quase conto a Simone, afinal, ela é fascinado por aquele lugar, mas sua mãe interrompe:

– O trabalho anda muito agitado? – Fairte pergunta.

Faço que sim.

– Muito corrido. E Simone é tão ocupada quanto eu.

Percebo Ramez bufando, desviando um olhar cheio de desprezo. Cara, essa expressão é familiar. Simone fica com o corpo rígido e Fairte franze a testa para o marido.

O prato principal é servido e começo a devorá-lo com gosto. Pequenas linhas de tensão penetram esse jantar. Meu raciocínio deve ser muito lerdo, pois não consigo descobrir a fonte desse desconforto.

É verdade que Ramez não falou muito, mas parece um homem gentil. Fairte está cada vez mais tensa; seu sorriso, mais forçado conforme ela se esforça para manter o clima leve. Vejo seus olhos suplicantes voltados para o marido.

Depois do prato principal, enquanto os garçons recolhem as louças, posso ver os familiares se preparando para seus discursos. Ramez puxa um cartão do bolso interno do paletó.

Enquanto testam os microfones, empurro minha cadeira um pouco mais para perto de Simone e ela apoia um braço em meu ombro. Recosto-me a ela.

Ouvimos o discurso do padrinho e da dama de honra de Renata. Seu pai faz um discurso para receber Eduarda na família e sorrio ao perceber o tom sincero de sua voz.

Ele fala sobre o prazer de ganhar mais uma filha. Simone me abraça mais apertado, e eu deixo.

Ramez vai ao púlpito e segura o cartão com uma expressão que beira o desgosto. Aproxima-se do microfone.

– Fairte escreveu algumas sugestões, mas acho que vou improvisar. – Sua voz é lenta e decidida, com o toque de sarcasmo que começo a acreditar ser hereditário entre os membros da família Tebet.

Uma risada se espalha pela sala e Simone se ajeita na cadeira. Nem preciso olhar para saber que está franzindo a testa.

– Sempre esperei coisas boas da minha filha  – Ramez prossegue, segurando a lateral do púlpito e olhando para seu público.

Sua escolha lexical também deixa transparecer que ele só tem uma filha.

Mas talvez eu esteja vendo coisas demais.

– E ela não me decepcionou. Nem uma vez sequer. Nunca recebi um daqueles telefonemas que os pais tanto temem. Aquela coisa de "Oi, pai, eu estou preso no México". Nunca recebi nada assim da Duda.

Agora o público ri com mais entusiasmo.

– Nem de mim – Simone murmura ao meu ouvido.

– Ela se formou entre as melhores alunas da turma. Foi um privilégio vê-la crescer e se transformar na mulher que vocês veem aqui – Ramez entona. – Suas experiências foram brilhantes e ela é muito respeitada por seus pares.

Não consigo detectar nenhuma emoção específica na voz daquele homem, mas ele olha para Eduarda tempo demais.

– Devo dizer que, no dia em que a Dudinha se formou em Medicina, eu me vi ali. E foi um alívio saber que daríamos continuidade à nossa dinastia médica.

Ouço Simone arfar duramente. Seu braço segura meus ombros cada vez com mais força.

Ramez ergue a taça.

Jogo do amor - ÓdioOnde histórias criam vida. Descubra agora