O inferno é a direita.

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– Você vai vomitar no carro, Moranguinho?

Ela não soa impaciente nem irritada. Abre um pouco a minha janela.

– Não. Talvez. Bem, possivelmente.

– Use isso se precisar – instrui enquanto me entrega um copo de plástico vazio. E engata a ré. – Agora me diga aonde ir.

– Vá para o inferno. – E começo a rir.

– Então é de lá que você veio?

– Cale a boca. Vira à esquerda.

Ensino a chegar ao meu prédio. Fico de olhos fechados, contando as respirações, e não vomito – uma grande realização.

– É aqui. Aqui na frente está bom.

Ela nega com a cabeça e, me sentindo derrotada, a levo até minha vaga na garagem.

Minha bochecha descansa em algo que parece ser seu peito. Minhas mãos agarram algo que parece ser sua cintura.

Simone aperta o botão e ficamos de lados opostos do elevador.

E o Jogo de Encarar é vencido pelas memórias ardentes e suadas da última vez que pegamos  o elevador juntas.

– Seus olhos estavam como os de um assassino em série naquele dia.

Eu realmente devo ter vomitado meu filtro.

– Os seus também.

– Gostei da sua camiseta. Gostei bastante. Fica ótima em você.

Ela olha para baixo, para analisar a camiseta.

– Não tem nada de especial nela. Eu... também gostei da sua. É grande como um vestido.

As portas do elevador se abrem. Eu avanço para fora. Infelizmente, ela me segue.

– Já estou em casa.

Apoio o corpo na porta. Ela pega as chaves na minha bolsa e abre o apartamento.

Nunca vi ninguém tão desesperada para ser convidada para entrar.

Simone coloca a cabeça para dentro. Suas mãos estão apoiadas no batente como se ela estivesse prestes a cair para o lado de dentro.

– Não é o que eu esperava. Não é muito... colorido.

– Obrigada, tchau.

Vou até a cozinha e pego um copo. Mas bebo água direto da torneira.

– Acho que podemos encontrar uma clínica 24 horas – Simone propõe atrás de mim, segurando o copo antes que eu o derrube.

Empurra a torradeira para perto da parede e, para preencher o silêncio desconfortante, pega um pano de prato.

Usa o dedo para recolher uma migalha de pão no balcão. Ah, meu Deus, ela é uma dessas pessoas que adoram limpar as coisas. Aposto que está morrendo de vontade de jogar produtos de limpeza e esfregar tudo.

– Uma bagunça, não está? – digo apontando para uma caneca com uma marca de batom.

Ela olha para ela com desejo e simultaneamente tentamos passar um pela outra no espaço minúsculo.

– Me deixa te levar a uma Upa?

– Eu tenho plano de saúde e só preciso me deitar. Só isso.

– Quer que eu ligue para alguém para avisar?

– Não preciso de ninguém – anuncio toda orgulhosa.

Estendo a mão para pegar a chave de casa.

Ela a leva a uma altura onde não consigo alcançar.

– Não preciso que ninguém cuide de mim. Sei me cuidar. Estou sozinha neste mundo. – Continuo.

– Sozinha neste mundo? Tão dramática. Vou à farmácia para ver o que consigo.

– Claro, claro. Tenha um bom fim de semana.


















Um capítulo curtinho, mas é pq um leitora pediu 🫶🏻

Jogo do amor - ÓdioOnde histórias criam vida. Descubra agora