Segredo

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– O que foi aquilo?

Levanto e agarro o encosto da minha cadeira.

– Divergência profissional.

Ela ergue um ombro descuidadamente, me lembrando do que está vestindo.

Quando chegou hoje, trajava uma camisa marrom claro, de seda, que eu nunca tinha visto. Passei o dia tentando descobrir se essa cor é um prenúncio do fim dos tempos ou se eu adoro a cor.

– Por que essa camisa?

– Marrom me pareceu adequado, considerando meu showzinho na Starbucks.

O senhor Bolsonaro coloca a cabeça para fora do escritório, olha para nós duas e acena uma negação com a cabeça.

– Mas que inferno. Já disse, um inferno.

Uma megera shakespeariana não perderia em nada para ele agora. Simone dá

risada.

– Jair, por favor. – Ela diz.

– Cale essa boca, Bolsonaro – ouço Leila dizendo.

Bolsonaro raspa barulhentamente a garganta e bate a porta do escritório. Simone olha para sua mesa, pega sua lata de balinhas e enfia no bolso.

Mexe no telefone para desviar todas as ligações para a caixa de mensagens e arruma a cadeira. A aparência é exatamente a de sua mesa no dia em que o conheci. Esterilizada. Impessoal. Ela vai até a janela e olha lá fora.

É outra vez aquele primeiro momento. Estou parada em minha mesa, nervos me rasgando de dentro para fora. Há uma grande mulher olhando pela janela, cabelos escuros e deslumbrantes, mãos nos bolsos.

Quando me viro, torço para que não seja tão linda quanto eu acho que é. A luz atinge seu maxilar e eu me dou conta.

Quando seus olhos apontam para mim, tenho certeza.

Ela me observa. Do topo da cabeça até a ponta dos sapatos. Diga as palavras, penso desesperadamente. Você é linda. Por favor, vamos ser amigas.

– Pode me contar o que está acontecendo?

– Eu jurei confidencialidade.

Em uma estratégia inteligente, ela utilizou justamente aquilo que sabe que não vou questionar.

– Por favor, diga que eles não simplesmente ofereceram, informalmente, o trabalho para você.

– Não, é claro que não.

Minha voz se transforma em um sussurro:

– Eles sabem sobre... a gente?

– Não.

Meus dois grandes medos parecem infundados.

– E aí... Como vamos dar o fora daqui? Eu ainda tenho que ir?

– Sim. Aquela coisa bem ali... – Ela aponta enquanto tira meu casaco do cabide. – Aquilo ali é um elevador. Você já esteve nele antes. Aliás, esteve nele comigo. Vou acompanhá-la durante todo o processo.

– E se alguém nos vir?

– Você me diz isso agora? Soraya, você é mesmo hilária.

Uso o teclado para desligar o computador, pego minha bolsa de mão e vou batendo o salto atrás dela.

Tento puxar meu casaco de seu braço, mas ela faz que não e mostra desdém. As portas do elevador se abrem e Simone me empurra para dentro, sua mão em minha cintura.

Dou meia-volta e vejo Leila apoiada no batente de sua porta, adotando a postura casual de quem está se divertindo com o que vê. Em seguida, joga a cabeça para trás e ri toda alegre, batendo palmas. Simone acena para minha chefe enquanto as portas se fecham.

Jogo do amor - ÓdioOnde histórias criam vida. Descubra agora