O caminho para casa costuma levar cinco horas, mas juro que Simone percorre em três. Mas as horas não significam nada enquanto atravessamos o interior, deixando a brisa do mar para trás.
A memória é iluminada pelos raios de sol que atravessam as árvores. Enquanto fazemos nosso caminho, nada além de tons cobres e verdes tocam nossos braços, iluminando nossos olhos – os dela, café; os meus, chocolate. Vejo meu rosto no retrovisor e quase nem me reconheço.
Eu mudei. Hoje, sou outra pessoa. Hoje é um dia importante.
Sempre vou me lembrar do caminho para casa como uma montagem em filme, um filme do qual participei. Cada detalhe foi vívido e intenso. Eu sabia que um dia acabaria precisando dessas memórias.
A montagem é dirigida por uma libanesa. Ela teria preferido um conversível, mas as janelas estão abertas, então pelo menos temos vento.
O dia está estranhamente ameno para essa época do ano, com cheiro de madressilva e grama recém-cortada.
A montagem é estrelada por essa menininha graciosa, que usa sua boca coberta de Lança-Chamas para sorrir para uma mulher linda. Ela parece muito descolada com seus óculos de sol da moda e faz todo mundo imediatamente querer comprar óculos iguais.
A libanesa ergue a mão da mocinha e dá um beijo. Diz a ela alguma coisa sedutora e a faz rir. É o tipo de cena em que você quer apertar pause e comprar o que quer que estejam vendendo ali.
Felicidade. Uma vida melhor. Batom vermelho e óculos de sol.
A trilha sonora seria rock romântico; partes iguais da guitarra com letras esperançosas e amargas, aquelas que fazem seu coração doer por nenhum motivo específico.
Mas, em vez disso, o filme é acompanhado por hair metal dos anos 1980 que encontrei no iPod, em uma playlist incriminadora chamada "Academia".
– Você realmente conseguiu esse corpo maravilhoso ouvindo Poison e Bon Jovi? – resmungo, e ela não tem como refutar.
Somos só nós duas, janelas abertas, música alta, a estrada se curvando como uma língua à nossa frente.
E cantamos juntas com as músicas. Letras de canções que não ouço há anos simplesmente rolam para fora de minha boca. Os dedos de Simone fazem a percussão no volante.
Neste momento, a vida é mais fácil do que só respirar.
Não paramos o carro, em momento algum. Se estacionarmos para uma pequena pausa, a realidade pode nos agarrar.
Somos como duas assaltantes de banco. Crianças escapando do internato. Adolescentes apaixonadas fugindo de casa.
Carrego uma garrafa de água e as balas de Sisi na bolsa. Isso é o que dividimos, e é melhor do que um banquete.
Em algum momento, confessarei a mim mesma por que essa montagem significa tanto. Eu poderia tentar acreditar que é porque a manhã de segunda- feira se aproxima e porque há um único prêmio dependurado e balançando diante de duas pessoas dignas de recebê-lo. Talvez porque simplesmente me senti tão viva. Tão jovem e tomada pelo frio na barriga de quem tem a certeza de que sua vida está prestes a se transformar drasticamente.
É possível que tenha sido o frio na barriga por estar com essa mulher e a adrenalina de ter enfrentado alguém tão assustadora. A alegria de resgatar alguém. De ser forte. De estimular alguém, abraçá-la, protegê-la e defendê-la como uma onça.
Talvez tenha sido o cheiro da primavera no ar, os campos de trevos de quatro folhas pelos quais passamos. Rosas vermelhas junto a cercas. Banco de couro e a pele da Simone.
Não, foi outra coisa; foi perceber algo irreversível, permanente. Algo que gira em minha mente a cada volta dada pelas rodas do carro, a cada pulsar do sangue em minhas veias finas.
A qualquer momento, uma pequena válvula pode estourar com a pressão do colesterol dos meus croissants. Posso morrer a qualquer momento.
Mas não morro.
Eu durmo com a bochecha encostada ao banco aquecido e o rosto virado para ela, como sempre fiz. Como sempre estará.
Abro um pouquinho os olhos. Estamos em uma garagem.
– Chegamos – Sisi anuncia.
O impossível invade minha mente. Devia ter pensado nisso o tempo todo. Meus olhos se fecham e finjo estar dormindo.
– Você precisa acordar agora, Soso– sussurra.
E beija minha bochecha.
Um milagre.
Eu amo Simone Tebet.
A constatação me deixa apavorada, mas está tão óbvio que isso tudo aqui dentro de mim não é só paixão. Não é.
Mas não sei se isso é uma coisa boa. A Simone não deve me amar, não é?
Mas por que eu a amo?
Eu sei que amar alguém não tem explicação, que não tem como conter todo o furacão. Se ela não me amar, tudo bem. Amores vem e vão. Eu sei que vêm.
Meus pais vão ficar muito confusos se a Simone me amar também.
Mas não se decide amar e nem quem amar. Mas sentir isso está me fazendo tão bem. Ela morangos e eu sou sua moranguinho.
Quero ama-lá, mas quero mais ainda, que ela me ame também.
– Mo... ranguinho, vamos se não eu vou te carregar – Abro os olhos lentamente, perdida em meus pensamentos.
ESTRELINHA!!!
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Jogo do amor - Ódio
RomanceSoraya e Simone são completamente opostas, mas obrigadas a trabalharem juntas elas aprendem a conviver na base do jogo do amor ou ódio... Uma convivência que leva ambas a descobrirem sentimentos que antes não eram sequer possíveis e que transforma a...