Antes de ficar boa, eu vou me humilhar.

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Estou vomitando.

Simone Tebet segura um enorme Tupperware abaixo do meu rosto – o pote que eu costumo usar para levar bolos ao trabalho, ela não sabe que existe balde ou cesto de lixo?

Sinto o cheiro residual de glacê e ovos. E vomito mais. Ela me segura pelos cabelos.

– Isso é muito nojento – resmungo entre um jato e outro. – Eu estou tão... Estou tão...

– Shh – responde, e eu durmo estremecendo e arfando enquanto ela limpa meu rosto com alguma coisa fria e úmida.

O relógio diz que são 1h08 quando volto a acordar e me sentar. Uma compressa úmida cai em meu colo. Assusto-me com o peso ao meu lado na cama.

– Sou eu – Simone diz.

Está sentada com as costas apoiadas na cabeceira, segurando um guia de preços de peças dos Smurfs. E descalça. Seus pés, cobertos pelas meias, encontram-se cruzados. Os outros livros foram organizados debaixo da minha penteadeira.

– Estou com tanto frio – murmuro, batendo os dentes.

Levo a mão aos cabelos; ainda estão úmidos por causa do banho. Ela balança a cabeça.

– Você está com febre. Uma febre que só aumenta.

– Não, frio – rebato.

Arrasto-me até o banheiro, deixo a porta entreaberta. Faço xixi, aperto a descarga e aí me dou conta de que não estou nada feminina.

Ah, fazer o quê? Ela já viu e ouviu quase tudo a essa altura. Não me resta nada a fazer além de fingir minha própria morte e começar uma nova vida.

Uso o dedo para esfregar um pouco de pasta de dente na língua. Engasgo. Repito o procedimento.

Ouço o tecido se abrindo, o barulho do elástico e o ranger do colchão. Pela porta entreaberta, vejo-o trocando os lençóis.

Estou péssima, encharcada, nojenta, mas consigo ver suas costas inclinadas.

– Como Você Está? – Ela me olha por sob o braço e ajeita o último canto do lençol no lugar certo.

O sortudo do meu colchão está sendo agarrado por uma mulher extremamente sexy.

– Ah, ótima. Como Você Está?

Solto o corpo na cama e puxo as cobertas. O colchão se afunda ao meu lado e a mão de Simone está em minha testa.

– Ah, que bom.

Sua mão tem a temperatura que meu corpo deveria ter. Tudo o que fazemos é olho por olho, então estendo a mão e a coloco em sua testa.

– Certo. – Ela se mostra bem-humorada.

Estou tocando o rosto do minha colega Simone.

Estou sonhando.

Vou acordar no ônibus com ela zombando porque estou babando. Mas um minuto se passa e eu não acordo.

Desço a mão e toco seu queixo, há um furinho atraente, lembro de quando ela me agarrou no elevador.

Ninguém jamais me segurou daquele jeito.

Abro os olhos e juro que ela sente um arrepio. Toco em seu pescoço. Ela toca o meu.

Queria estar com as mãos em sua garganta agora, e lembro o quanto já quis estrangular Simone.

Abro as mãos levemente em volta do seu pescoço, só para verificar o tamanho, e ela estreita um olho.

– Vá em frente – diz. – Faça isso.

Sua garganta é grande demais para os meus dedinhos minúsculos. Sinto a tensão tomando conta dela, seu corpo se apertando. Ouço um barulho em sua garganta.

Estou machucando ela. Talvez eu esteja a estrangulando até a morte agora.

Seu pescoço fica vermelho. Quando ela foca o olhar em mim, sei que algo está por acontecer. Mesmo assim, não estou preparada quando acontece.

O mundo se desfaz quando Simone começa a rir.

É aquela mesma mulher que vejo todos os dias, mas agora bem-humorada.

Está plugada em uma corrente elétrica.

Humor e luz irradiam, fazendo suas cores brilharem como um vitral.

Preto, azul e muito branco. É um crime eu nunca ter visto os contornos desse sorriso antes. Sua boca é uma curva leve, dentes perfeitos e covinhas discretas emoldurando.

Cada risada sai em uma arfada rouca e esbaforida, algo que ela não consegue mais segurar, algo tão viciante quanto o sabor de sua boca ou o cheiro de sua pele.

Sua risada maravilhosa é algo de que eu preciso agora.

Se eu a achava bonito antes, de passagem ou claramente irritada, não sabia tudo o que ela escondia.

Quando sorri, sua beleza chega a cegar. Meu coração está acelerado e eu freneticamente catalogo esse momento à meia-luz.

Só vou ver isso dessa vez, enquanto estou delirando de febre.

Quem me dera poder me prender a este momento. Já sinto a tristeza que vai me invadir quando tudo terminar.

Quero dizer a Sisi para não ir embora ainda.

Meus dedos devem estar flexionados, afinal, ela ri até o colchão tremer debaixo dos nossos corpos.

Uma gotícula brilha no canto de seu olho, e ela é uma bala em meu coração. Conseguirei revisitar esse momento lindo, esse momento impossível, em minha memória mesmo quando eu tiver cem anos.

– Vá em frente, me mate, Moranguinho – ela arfa, usando a mão para secar o olho. – Você sabe que quer me matar.

– Quero tanto – respondo, como ela certa vez me dissera. Tenho um nó na garganta e mal consigo pronunciar as palavras. – Mas tanto, que você não tem ideia.


















Se não deixar a estrelinha eu paro de postar todos os dias 😏

Jogo do amor - ÓdioOnde histórias criam vida. Descubra agora