Empate

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– Não. De jeito nenhum – ela diz.

Entra no lobby do prédio me levando enrolando braço no seu pescoço como se eu fosse um jornal enrolado.

E vai ver se há alguma correspondência na caixa de correio.

– Relaxa. Eu só vou mostrar o meu apartamento para você, assim ficaremos empatadas.

– Sempre pensei que você vivesse em algum lugar subterrâneo, perto do núcleo da terra – consigo pronunciar enquanto ela aperta o botão do quarto andar.

Ver seus dedos me faz ter flashbacks. Olho para o botão vermelho de emergência e para o corrimão.

Tento discretamente sentir seu cheiro. Deixo a discrição para trás, enterro o nariz em sua camiseta e inspiro duas abundantes lufadas. Viciada infame.

Se ela percebe, não diz nada.

O elevador é grande e não há qualquer motivo para eu continuar aqui, em seus braços.

Mas quatro andares é uma distância tão curta que creio não haver motivo para afastar meus braços de sua cintura.

Seus dedos estão em meus cabelos.

Abro lentamente as mãos, uma delas em suas costas, a outra em seu abdômen. Estou pressionando outra vez o nariz contra seu corpo inalando um pouco mais.

– Vem aqui – ela chama discretamente, e já estamos atravessando o hall.

Ela destranca a porta e eu me pego vacilando na entrada do apartamento de Simone Tebet.

Tira meu casaco como se estivesse descascando uma banana. Eu me preparo para o que está por vir.

Mone pendura meu casaco perto da porta.

– Então... entre.

Não sei o que esperar. Talvez uma cela de cimento cinza, sem qualquer personalidade, com uma enorme TV de tela plana e um banquinho de madeira.

Um boneco de vodu com cabelos negros e batom vermelho. Uma boneca da Moranguinho com uma faca atravessada no coração.

– Onde fica o jogo de dardos com a minha cara bem no centro do alvo? – inclino o corpo ainda mais para dentro.

– Fica no quarto de visitas.

O apartamento é elegante e escuro, luxuriantemente aquecido, todas as paredes pintadas em tons de chocolate e areia.

Sinto um leve cheiro de laranja. Um sofá enorme aparece no centro, diante daquela tela de TV gigante que parece ser característica de toda pessoa rica.

Tela que ela não havia desligado antes de sair. Estava muito apressada. Tiro os sapatos e imediatamente encolho um pouco mais. Ela entra na cozinha e eu continuo espiando.

– Dê uma olhada. Sei que está morrendo de curiosidade. – Ela começa a encher uma chaleira prateada.

Já eu deixo escapar uma expiração trêmula.

Não estou prestes a ser atacada para um sexo selvagem.

Ninguém ferve a água com antecedência, exceto talvez na Idade Média.

É claro que Simone está certa. Estou morrendo de curiosidade para dar uma olhada.

Foi para isso que vim aqui.

A Simone que conheço já não é suficiente.

Informação é poder, e agora nem todas as informações são suficientes para mim. Um gemido silencioso e exasperado está alojado em minha garganta. Isso à minha frente é muito melhor do que ver a calçada na frente do prédio.

Jogo do amor - ÓdioOnde histórias criam vida. Descubra agora