— Filha, posso te fazer uma pergunta? Prometa não me julgar. — Paulina largou as panelas no fogo e virou-se para a psicóloga.
— Sim? — Gen deu abertura total.
— É que eu ainda não entendi muito bem o que se passa com Jesebel... Ela não fala conosco porque não quer? — Pendeu a cabeça para o lado.
— Não é bem assim, mãe. — Gen logo discordou. — Ela não fala porque ela não quer, ela não fala porque não consegue. Não é porque essa condição vem do psicológico dela, que a gente não deve levar a sério ou acreditar que ela está sendo mimada ou talvez que ela consiga domar isso. Entende, mãe?
— Uhum. — Concordou para que a filha seguisse.
— Dentro da psicologia a gente costuma dizer que o ser humano é biopsicossocial, isso significa que ele tem a parte física, biológica, genética, que herdamos dos nossos pais e familiares; psico vem de psicologico que fala sobre nosso interior, predisposição ao desenvolvimento de algum transtorno também, além das condições psicológicas de vivências; E o social que se refere ao nosso círculo, onde a gente aprende as coisas, nossos valores, onde a gente é estimulado, onde a gente vive, nossa família, a sociedade, a nossa cultura... Esses três fatores ajudam a nos moldar desde pequenos, a gente não é formado somente por um deles. Não somos formados só da parte biológica, ou só da parte psicológica... — Sentou-se na cadeira, achou que iria se alongar na fala. — Quando existe algum problema no social, por exemplo, brigas de família que nos afetam, a gente faz de tudo para mudar e aceitamos que isso causa efeito em nós, correto? Bem como quando temos problema fisiológicos, dores, doenças, a gente corre pro médico pra tentar nos tratar e também aceitamos que isso nos afeta. A mesma coisa é com o psicológico.
— Hum... — Paulina ergueu as sobrancelhas, se convencendo.
— Para ficar mais fácil de compreender, agora vamos pensar como se o psicológico fosse uma pessoa, como se Jesebel fosse inteiramente formada pelo psicológico. Vamos pensar no trauma, as coisas que ela vivia desde a infância até então, como se ele também fosse uma pessoa. Vamos fingir que o trauma é Lorena. Basicamente, o que está acontecendo é como se Jesebel estivesse sendo enforcada por Lorena, compreendeu melhor assim? — Tentou esquematizar algo para que fizesse sentido na cabeça da mãe, ainda que fosse algo muito complexo de ser compreendido principalmente por alguém leigo. — Quando a gente perde alguém sentimos uma dor imensa, não é? E por mais que a gente tente mudar, não é como se conseguissemos, porque essa dor toma a gente. É exatamente o caso de Jesebel, mãe. Ela quer falar, ela tenta, mas ela não consegue porque existe uma força maior que a imprese. — Analisou as expressões da mãe para checar se ela conseguia lhe acompanhar. — Escutamos direto que o luto precisa ser vivido, certo? A gente deixa aquela pessoa passar pela dor que ela precisa passar. É claro que não deixaremos que ela se exclua do mundo, fazemos ela comer, beber água, tenta fazer essa pessoa tomar banho, se cuidar, ressignificar momentos, memórias, conceitos, mas a gente dá espaço para que a pessoa sinta a dor. Também criamos um ambiente confortável para que ela chore, para que ela fale sobre aquilo, bem como oferecemos aparatos de cuidado, o estar em volta das pessoas queridas, receber um acompanhamento psicológico adequado, ter quem levante ela caso queira desistir de tudo.
— É exatamente isso que Jesebel precisa. — Pensou alto, concordando.
— Você vê que quer, ela tenta verbalizar, até faz que faz responder, mas não sai nada da boca dela porque não é ela quem controla esses aspectos. — Complementou a sua fala.
— E como você se sente com isso? Como você está? — Sentou junto a ela, mais próxima.
— Tentando não entrar em desespero. — A respondeu se debruçando na mesa. — Confesso que estou morrendo de saudades dela, mãe. Da voz dela, de ouvir ela desabafar comigo. — Embargou e fez biquinho para segurar o choro. — Em alguns momentos quando estava aflita, corria para os meus braços. Eu sentia verdade no olhar dela, ouvia pedidos de socorro pelas entrelinhas, me mostrava disponível sempre que fosse necessário. Às vezes ela me ligava e dizia que queria desabafar, às vezes a gente se encontrava e eu conseguia sacar, só pelo comportamento, o que estava acontecendo. Ela tem uma mãe de santo e só tinha paz quando ia lá para o terreiro, Dalila brigava com Lorena que acabava por fim tendo que deixar Jesebel quieta. Só que com o tempo a Lorena foi se apossando tanto de tudo que mesmo com Dalila tentando trazer Jesebel pra perto, sondando o que acontecia, não conseguiu descobrir. Mainá tinha medo de contar, tinha receio... Acho que só confiou em mim porque eu estava totalmente inserida na sua vida, vendo ela rotineiramente, precisando ter algum vínculo. Ela e Dalila eram melhores amigas, acho que ainda são, mas como eu tinha que ter contato com Mainá todos os dias, acabou que só restou a mim, para que ela desabafasse de verdade sobre tudo. — Aceitou o colo da sua mãe que havia mudado de cadeira porque imaginou que ela fosse precisar. — Estou sendo atormentada pelo pensamento de que sei que Jese quer desabafar sobre tudo, mas não consegue. Imagina você ter essa necessidade de falar, de dividir com alguém que você confia sobre o que você passou e está passando, e não conseguir. Fico agoniada quando penso que ela pode estar sufocada e as palavras estão ali dentro dela, ajudando-a a adoecer. Ela pode estar nutrindo uma culpa por tudo, pode estar se autodepreciando, pode estar regando um ódio de tudo e eu não sei, ninguém sabe, só ela.
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Quer se divertir? É só mandar uma mensagem. - Lésbico.
RomanceGarcía; 1. Se você foi aprovado, se alegre, eu sou extremamente seleta com quem deixo me seguir. 2. Apenas mulheres são bem-vindas. 3. Não adianta, eu não vou te contar meu nome independente do quanto você insista. Uso de um pseudônimo e só atendo...