Nós por Nós.

07.

DUARTE.

Nego olha pra minha cara e imagina que eu sou herdeiro, cheguei aqui porque me colocaram mas não é bem assim não. Minha história vai muito mais a fundo do que geral pensa!

Sempre fui correria mas o bagulho pra ninguém é fácil, minha mãe nunca morou no morro sempre foi do asfalto mas mesmo assim a vida era difícil, dia e noite na correria da vida, limpando casa de madame pra levar o sustento pra nós.

E quando ela não aguentou eu tive que dar meu jeito pra não deixar minha coroa passar nenhuma necessidade.

Enquanto os menor estavam na escola, tendo lazer e curtindo o que uma criança normal curte, eu estava no sinal vendendo bala, água, qualquer bagulho pra levar o sustento e a ajuda pra minha mãe dentro de casa.

Sendo que uma hora cansa e eu cansei quando eu vi minha mãe cair na cama doente e não ter nem dinheiro pro tratamento porque não tinha mais disposição pra fazer faxina dia e noite.

E foi aí que eu conheci o tráfico, todo dinheiro que eu pegava era pra ela, tudo dela mas infelizmente ela veio a falecer e eu fiquei mais perdido que tudo porque ela era minha coluna.

Quando comecei a traficar no Vidigal eu tinha um objetivo mas quando ela se foi tudo acabou e eu resolvi continuar.

Já fui atividade, vapor, gerente de várias drogas e ai então virei dono da porra toda.

No crime tudo é rápido, entrei com 15 e com 16 já era respeitado porque eu roubava muito na pista e era só bagulho grande, dinheiro alto, com 20 virei gerente geral e com 25 já era dono.

Antes do crime já fui parado por cana, já tomei porrada só pela roupa que eu usava, havaianas e bermuda, era a primeira vez que eu usava uma havaianas na minha vida e eu estava feliz mas fui parar na delegacia justamente por isso, infelizmente essa era minha melhor roupa.

Quem me vê todo adornado de ouro, montado em moto e circulando de carro nem imagina um terço do que eu já passei.

Sempre fui puro de alma e de coração, nunca quis fazer mal pra seu ninguém mas o mundo e a sociedade joga a gente no crime.

Se você é pobre, favelado e fudido não adianta seguir na vida certa, foi a conclusão que eu tirei assim que segurei a primeira arma na minha mão.

Já que era pra apanhar fazendo o certo, eu preferia apanhar fazendo o errado mermo.

Aos 18 conheci o Novinho menor puro de verdade, ele já era do crime quando eu cheguei mas o menor sempre teve cabeça no lugar, sempre chegou aqui e fez o dele sem pensar em porra nenhuma.

Quantas e quantas vezes nós assistimos vários irmãos nossos irem embora, falecerem, pegar cadeia mas eu e ele permanecemos por isso que quando eu subi coloquei ele como meu frente.

Ele sim eu confiava de olhos fechados, a palavra dele era uma só na minha frente e nas minhas costas.

Com 24 ele me apresentou a mina que eu me envolvi, ela foi embora, nome dela é Ágata, era novinha tinha 14 aninhos ia pros 15, virgem e purinha.

Me envolvi com ela e quando ela fez 15 coloquei ela dentro da minha casa e fiz dela minha mulher, foi a única que me ganhou mas eu vacilava mermo.

Já viu bandido ter uma mulher só?

Ela também nunca foi flor que se cheire, se deixasse me colocava no sapato com as coisas que aprontava aqui nesse morro, ela era terrível.

Se eu deixasse, ia ter fama de corno pra sempre porque ela pintava comigo.

Mas eu amava, ela tinha tudo e disso ela não pode reclamar, eu lembro da nossa última briga e foi a última vez que eu vi essa mulher, fui pro plantão e quando eu voltei, eu não vi mais ela dentro de casa.

Ela guardava o dinheiro que eu dava pra ela pra alguma emergência caso eu fosse preso, morresse, esses bagulhos ela sempre esteve preparada e na minha cabeça foi com esse dinheiro mermo que ela meteu o pé.

As vezes eu parava pra pensar sentado na laje da minha casa, as vezes eu parava pra pensar nela, se eu pudesse faria diferente porque papo reto minha vontade era fazer diferente, era ter cuidado e não ter deixado ela se envolver.

Matava e morria por mim, nenhuma faria nem metade do que ela fez e eu não dava ideia.

Também eu estava embaladão, estava recente no comando da favela, não queria saber de nada, estava vivendo tudo o que eu nunca tinha vivido em toda minha vida mas passou e hoje quando eu olho pra trás penso que eu fui moleque pra caralho.

Mas passou e agora é sem amor mesmo.

Novinho: Visão Duarte, fechar um camarote ou dois?

Duarte: Porra quer me matar né menor! — ele riu.

Novinho: Se desse bobeira, eu matava! — rimos.

Duarte: To apertando um balão senta ai pra nós fumar.

Ele sentou e eu terminei acendendo o meu e entregando um pra ele.

Duarte: Eu to pensando mano porque você vai querer parar com aquela maluca?

Novinho: Que maluca? — ele me olhou tragando a fumaça. — A Susanne?

Duarte: Essa mermo!

Novinho: Querer eu até queria mas quem não quer é ela, disse que vai levar uma amiga dela e bah, quer curtir o bagulho dela tranquila.

Duarte: Amiga? — perguntei.

Novinho: Sim, acho que é de fora essa mulher.

Duarte: Já sabe que vai ficar no meu porte se for gostosinha. — ri.

Novinho: Só se for pra maluca da Mel surtar!

Duarte: Tenho nada com essa garota não, se ela der de maluca coloco ela no lugar dela em dois tempo, é só pau e tchau!

Novinho: Ágata ia te deixar na linha se ela tivesse aqui ainda. — ele riu. — Escutou mais falar nada dela não mano?

Duarte: Ela me bloqueou da porra toda! — neguei com a cabeça. — Se eu ver ela...

Novinho: Essa aí esquece Duarte, tu não vai mais ver.

Mina era maior responsa mas eu não ia pensar nesse bagulho agora não, to sem cabeça pra isso o que foi não volta mais e a vida é assim mesmo.

Duarte: Melhor tu colocar um camarote pra sua mina do lado do nosso, tá ligado?

Novinho: Papo reto, não vamos estar juntos mas qualquer bagulho to por perto.

Rimos.

Novinho: Se liga, não chega de preto lá não hein! — ele falou. — bagulho é geral de branco!

Duarte: Virou ano novo? — demos risada.

Novinho: sabe como é! — ele tragou o balão. — Sexta feira, meia noite geral lá.

Ele jogou fora o balão porque já tinha morrido e eu continuei na laje, já estava anoitecendo e daqui a pouco era hora mas eu queria descansar um pouco e desci pra dormir.