Capítulo Sessenta

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|Catherine|

A carroça sacoleja com força por entre as raízes e o solo irregular da floresta, e eu luto contra a sensação vertiginosa de desmaio que ameaça me dominar. Meus olhos teimam em se fechar, a cabeça latejando, o corpo inteiro dorido e exausto. Tento, com algum esforço, memorizar o caminho que Henry nos força a seguir, qualquer pista, qualquer árvore mais robusta ou curva na estrada que possa me servir se, por um milagre, eu conseguir escapar desse terrível inferno. Mas o cansaço é mais forte do que eu, e acabo apagando em curtos períodos, lutando para não cair de vez nesse sono involuntário.

Cada vez que abro os olhos, eu percebo o mundo ao meu redor girando como em um sonho febril e meio sem sentido. Vejo cenas que me parecem tão reais que quase consigo acreditar nelas: Frederick surge de repente, como uma miragem em meio à vegetação densa, a mão estendida para me salvar. A visão do rosto dele é tão viva que sinto um breve lampejo de esperança dentro de mim. Estendo a mão para ele, suplicante, mas antes que eu consiga tocá-lo, ele desaparece, como fumaça dissipando-se no ar, e o vazio volta a me envolver como uma sombra terrível. Sinto minha mente oscilando entre a realidade cruel e o delírio.

Meu corpo queima em febre e estremece de frio ao mesmo tempo. Tremo de dor e calafrios, e, à medida que a viagem prossegue, o pavor toma conta de cada fibra do meu ser. Henry segue caminhando à frente, guiando o cavalo que puxa a carroça, assobiando uma melodia arrastada e melancólica que me gela até os ossos. A melodia é repetida incansavelmente, e logo percebo que não é uma canção comum, mas uma ameaça disfarçada. Ele murmura uma letra baixa e sombria, que parece escolhida de propósito para me fazer entender que não há escapatória, que sou sua prisioneira.

Por horas, o assobio amedrontador e o balançar da carroça dominam meus sentidos. A tarde começa a cair, e o silêncio da floresta se torna um tanto espesso e opressor. Os sons dos animais, cada vez mais próximos, se misturam ao rangido da carroça e à melodia macabra de Henry. Sinto os olhos ardendo, o desespero tomando conta de mim como uma sombra e tudo o que mais quero é sair correndo para muito longe desse louco desequilibrado.

Finalmente, depois do que parecem ser horas infindáveis, a noite desce por completo e tudo parece infinitamente pior. A escuridão é quase absoluta, e Henry para a carroça em uma área onde vejo uma gruta oculta entre as árvores densas. Ele me puxa de dentro da carroça com brutalidade, sem a menor consideração ou respeito, me carregando como se eu fosse um mero objeto sem importância, até o interior da caverna. A cada toque dele, uma onda de repulsa e terror me invade de alto a baixo pelo corpo.

Ele me deita sobre um pano sujo e um punhado de feno que pegou da carroça. Minhas mãos e pés permanecem amarrados, e a mordaça ainda cobre minha boca, impedindo-me de gritar, de pedir ajuda, de me defender. Eu estou exausta, derrotada, e um frio gélido percorre minha espinha nesse exato momento. Henry, sem pressa, acende uma fogueira na entrada da gruta, mas vejo que há pouca madeira e que o fogo logo diminuirá.

Henry me observa por um momento, e um arrepio percorre meu corpo quando sinto seus dedos ásperos tocarem meu rosto. Cada segundo parece uma eternidade enquanto ele me toca, e tudo o que consigo fazer é fechar os olhos, tentando me afastar mentalmente daquele lugar, daquela prisão de terror.

— Vou buscar mais madeira para a fogueira. Não demoro — ele diz com a voz baixa, quase afetuosa, como se estivéssemos em uma situação normal, como se houvesse qualquer razão para ele me tratar como uma amante e não uma prisioneira.

Ele se afasta para a escuridão da floresta, e meu corpo relaxa minimamente com sua ausência, ainda que momentânea. Mas o alívio é passageiro. Estou fraca demais para tentar algo e permaneço imóvel, meus músculos doloridos e minha mente esgotada, num estado de apatia que mal me deixa consciente. A única coisa que penso é que Frederick deve estar me procurando, que ele precisa estar, e me forço a manter a esperança de que ele possa, de alguma forma, me encontrar.

Alguns minutos se passam. Estou prestes a fechar os olhos mais uma vez quando ouço o som de passos rápidos, o movimento das folhas sendo arrastadas e, por um segundo, penso que Henry já voltou, que veio me atormentar outra vez. Meu coração acelera, a respiração quase me escapa, e meus olhos percorrem a entrada da gruta, sentindo o medo e o nojo crescerem de novo.

De repente, sinto mãos frias e firmes me puxando por trás. Meu corpo se contorce em um reflexo involuntário, mas a mordaça impede qualquer som, qualquer grito de desespero que tento soltar. Quando sou virada, meus olhos arregalam-se em pânico, até que vejo o rosto da pessoa à minha frente.

Olhos azuis profundos, tão frios quanto a noite ao meu redor, encontram os meus, e algo na firmeza deles me faz respirar, mesmo que só por um instante. Um dedo é colocado na frente de sua boca, e ela me faz um sinal para que eu fique em silêncio. A voz é baixa, mas carregada de urgência.

— Fique quieta ou nós duas seremos descobertas e estaremos perdidas! — ela sussurra.

Meu coração dispara, e meu corpo se enrijece, tentando processar a realidade do que vejo. É a última pessoa que esperava encontrar aqui, a última que imaginaria estar ao meu lado em um momento de tamanho desespero. Selin de Medice, com uma expressão sombria e determinada, me observa. A realidade de sua presença me atinge como um choque, e meu corpo inteiro responde ao alívio, ao temor e à dúvida que surgem ao mesmo tempo.

Ela está aqui. Ela realmente está aqui. Contudo, eu não sei se é minha inimiga ou minha salvadora...


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