Capítulo Sessenta e dois

72 25 0
                                    

|Selin De Medice|

Ops! Esta imagem não segue nossas diretrizes de conteúdo. Para continuar a publicação, tente removê-la ou carregar outra.

|Selin De Medice|

O peso de Catherine sobre meus ombros e as pernas bambas são o menor dos meus fardos nesta noite. Estou exausta, suada, e cada músculo do meu corpo queima à medida que nos distanciamos do homem que parece possuído por alguma obsessão sádica. Não sei por que ele a sequestrou, mas isso não importa agora. Importa que, mesmo fraca, febril e talvez inconsciente, Catherine ainda tem uma chance.

Ela se agita em minhas costas, mas logo seu corpo fica mole, e percebo que desmaiou. Meu peito aperta com pena ao vê-la tão fragilizada e, por um segundo, sinto a solidão, o desamparo que sempre achei que apenas eu conhecia. Não somos amigas, é verdade, e nossa história é marcada por mágoas, rivalidades e amargura. Mas, ao vê-la naquela gruta, incapaz de se defender, e ainda mais vulnerável por carregar uma vida dentro de si, soube que precisava fazer alguma coisa. Eu mesma não suporto a lembrança de ter sido imobilizada e ameaçada; meu pai sempre me ensinou que não há misericórdia para as fracas.

Já passamos horas caminhando. Meus pés doem a cada passo, meus pulmões gritam por descanso, mas sigo adiante. Preciso tirá-la daqui; é o único pensamento que me mantém firme. O céu começa a clarear, mas ainda estamos envoltas pela penumbra fria da madrugada. Finalmente, não aguento mais. Paro, deslizo Catherine das minhas costas com cuidado e a deito sobre a folhagem. Minhas pernas tremem, e mal consigo respirar. Sento ao lado dela e a cubro com minha capa, apertando o tecido sobre seu corpo para que não sinta tanto o frio.

Apoiando-me contra o tronco de uma árvore, fecho os olhos e tento recuperar o fôlego. No escuro da floresta, minha mente viaja para os eventos que me trouxeram aqui. Nunca imaginei que minha vida terminaria desse jeito... desolada, expulsa, fugindo.

Foi apenas alguns dias atrás que cheguei ao meu destino de volta à propriedade dos De Medice. Saí do castelo de cabeça baixa, o coração em pedaços pela humilhação de ter o noivado rompido pelo príncipe Frederick. A notícia já havia corrido por toda a sociedade. Eu estava arruinada, manchada para sempre pelo escândalo e pela desonra. O caminho até minha casa parecia mais uma marcha até minha própria execução; eu sabia o que me esperava. Sabia que meu pai não me perdoaria jamais.

Ele estava esperando por mim no salão principal, com o olhar endurecido, e seus olhos brilhavam com o tipo de fúria que poderia incinerar qualquer coisa ao redor. Assim que me viu, desfez qualquer resquício de cordialidade, me puxando e me arrastando até o quarto de onde eu não poderia escapar. 

— Você falhou, Selin. Falhou miseravelmente. Minha única filha, e um completo fracasso. — Ele jogou essas palavras como se fossem punhais, e senti cada uma delas perfurar minha carne.

A primeira surra não foi a última. E nem as palavras cruéis. Ele passava pelos meus aposentos todos os dias, me olhando como se eu fosse a maior vergonha de sua vida. Mas não eram apenas palavras. Eram tapas, socos e noites sem alimento, como se quisesse me lembrar a cada segundo de como eu o decepcionei. A cada golpe, ele fazia questão de lembrar que eu era uma "inútil", uma "vergonha para a família De Medice". Pior de tudo foi ouvi-lo dizer, em seu tom frio, que fui uma assassina desde o dia em que nasci, pois "matei minha mãe ao vir ao mundo".

O que me fez fugir? Eu já estava destruída, mas ainda assim havia esperança. Até que ele anunciou, com um sorriso que fez meu estômago revirar, que eu seria deserdada e vendida para um bordel. 

Um bordel! 

Minha própria vida, destinada à degradação total, e isso tudo por ordem do meu pai. A crueldade que ele destilava, a forma como ele me tratava... Eu sabia que não podia permanecer ali, sujeita a cada nova punição ou humilhação. Se eu queria viver, precisava sair de lá. Sem aviso e sem um plano, corri na calada da madrugada seguinte, sem olhar para trás.

As lágrimas escorrem, quentes, pelo meu rosto, e não as seguro mais. Elas me libertam de cada lembrança cruel e me lavam da vergonha que meu pai tentou cravar em mim. Eu tremo, mas não é só de frio. É uma dor profunda, uma dor que vem do abandono, da rejeição, de uma vida marcada pela expectativa de ser a mulher que ele moldou, e que agora, não importa o que eu faça, nunca serei suficiente para ele.

Foi então que, andando sem rumo pela floresta, percebi algo de estranho. O som de cascos, o ranger de rodas de madeira velha. Vi a carroça antes de ver o homem, e uma intuição me alertou. Observei de longe, sem ser vista, tentando entender o que acontecia. Mas ao ver Catherine, e aquele homem de aparência sinistra, tudo se esclareceu. O olhar dele, obcecado, com um prazer cruel, me fez gelar. Catherine estava em perigo, e eu não pude apenas observar. Aguardei a primeira oportunidade e, ao ver o homem se afastar, entrei na gruta e a tirei de lá.

Agora, olho para ela, deitada no chão da floresta, e um misto de compaixão e pena me toma. Eu jamais poderia imaginá-la tão frágil. E, no entanto, aqui estou eu, a última pessoa que ela imaginaria, me importando com seu bem-estar, tentando mantê-la a salvo. Em meio à fuga, ao desespero, há uma solidariedade estranha que nos une. As desavenças e os ressentimentos do passado parecem menos importantes. Somos duas mulheres enfrentando terrores que poucos conseguiriam suportar.

Finalmente, afasto a mão do rosto, limpando as lágrimas, e respiro fundo, deixando o ar frio da madrugada acalmar minha mente. Preciso continuar, mas o cansaço me pesa como uma âncora. Minhas pernas estão fracas, e meus olhos insistem em se fechar. Sinto cada músculo protestar, cada célula implorando por um descanso que não posso dar. Mas meu corpo já não obedece. Encostada no tronco da árvore, respiro fundo, tentando permanecer alerta, mas as lembranças ainda me atormentam. Elas me perseguem, mesmo aqui, me lembrando de que não tenho para onde voltar. De que não tenho mais um lar...

Fecho os olhos apenas por um segundo, mas é como se o peso de tudo o que vivi finalmente me puxasse para um sono que parece impossível de evitar. Minhas forças se esvaem, e, enquanto me entrego a essa trégua temporária, prometo a mim mesma que, quando acordar, estarei forte o suficiente para continuar.


🗡🗡🗡

Olá, filhos da Luz! Deixe sua estrelinha e comentário!

Olá, filhos da Luz! Deixe sua estrelinha e comentário!

Ops! Esta imagem não segue nossas diretrizes de conteúdo. Para continuar a publicação, tente removê-la ou carregar outra.
A Sombra do Passado [Completo]Onde histórias criam vida. Descubra agora