Capítulo Trinta e oito

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|Frederick|

Quando deixo os aposentos de meu pai, o peso das palavras dele ainda paira sobre mim. Ele está certo, claro. Ele sempre está. Mas a verdade é que o fardo do reino, da família, da responsabilidade, está me esmagando. Cada decisão, cada silêncio, parece um aviso de que algo maior está por vir, algo que pode destruir o que mais amo. E, apesar da calma que meu pai tenta transmitir, minha mente não encontra paz.

Eu preciso de algo para liberar essa tensão, essa raiva que carrego. Meu corpo anseia por movimento, por uma forma de transformar essa energia em algo físico. Decido ir treinar, lutar, sentir o peso da espada em minhas mãos como um lembrete de que ainda tenho controle sobre alguma coisa, ainda que seja só o aço em minhas mãos.

O local onde costumo treinar é um espaço privado, longe dos olhos dos soldados e dos olhares curiosos do castelo. É um refúgio para mim. Mas, ao me aproximar, noto uma figura já ocupando o espaço. De longe, reconheço a postura, a leveza nos movimentos, a segurança exagerada que exala em cada golpe. Deklan Fraser.

Estreito os olhos, um pouco incrédulo com a tranquilidade do homem. Em um castelo onde o medo e a incerteza correm soltos, ele parece despreocupado. Leve demais. Isso me incomoda profundamente. Para alguém que está prestes a se casar com minha irmã mais nova e levá-la para Inverness, Deklan parece completamente alheio à tensão que assola Navarra. Isso me irrita. Não é apenas uma antipatia que sinto por ele, mas uma inquietação constante ao pensar que Francesca um dia deixará nosso lar para seguir com Fraser

Respiro fundo e me aproximo, decidido a acabar com essa leveza aparente. Assim que ele me vê, Deklan sorri com aquele seu sorriso fácil e insolente, o tipo de sorriso que sempre me provoca e me tira do sério.

— Frederick — ele começa, sem perder o fôlego, girando a espada na mão com uma destreza casual. — Achei que estava escondido em algum lugar, perdendo cabelos por causa de tanta preocupação.

Sua piadinha me atinge como uma pedra, e meus punhos se fecham instantaneamente.

— Talvez você devesse estar preocupado, Deklan. Há uma prisioneira perigosa desaparecida, e o castelo inteiro está em alerta. — Minha voz sai mais cortante do que eu esperava, mas não me importo.

Ele dá de ombros, como se nada do que estou dizendo realmente o afetasse.

— Preocupação não vai resolver nada, Frederick. Mas, se está tão tenso, talvez um duelo possa aliviar sua cabeça. — Seus olhos brilham com provocação, e ele ergue a espada, gesticulando para mim.

Não preciso de mais convites. Num instante, puxo minha espada e vou em direção a ele. Se é uma luta que ele quer, ele vai ter. As lâminas se encontram com um estalo, e o duelo começa.

Deklan é habilidoso, admito isso para mim mesmo, ainda que me irrite. Seus movimentos são precisos, e ele luta com a confiança de alguém que não teme a derrota. Cada golpe meu é recebido com um sorriso ou uma provocação.

— Vai ser difícil derrotar alguém que está tão bem-humorado, Frederick — ele alfineta, desviando de mais um de meus golpes com facilidade. — Está lutando com raiva. Isso o deixa previsível.

— E você está lutando com arrogância — retruco, girando o corpo para acertá-lo por outro ângulo. — Isso o torna descuidado.

O duelo segue por minutos, nossas espadas tilintando com força. Ambos lutamos com vigor, sem querer admitir a possibilidade de perder. A cada golpe, a cada defesa, sinto minha raiva crescendo, não só por causa da leveza de Deklan, mas pela frustração acumulada com a situação no reino. Mas, apesar de minha fúria, Deklan é persistente. Seus olhos escuros brilham com um misto de diversão e foco, e ele continua a me provocar, rindo a cada nova tentativa minha de derrubá-lo.

Quando finalmente paramos, exaustos, suados e sem um vencedor claro, sento no chão, o corpo clamando por descanso. Deklan, sem fôlego, faz o mesmo. O silêncio entre nós é carregado, mas é ele quem fala primeiro.

— Não era tão difícil, não é? — Ele diz, ainda com aquele sorriso. Mas há algo nos olhos dele agora, uma sombra que não estava lá antes.

Eu o encaro, minha respiração pesada.

— Como pode estar tão tranquilo, Fraser? — Minha voz sai mais séria desta vez, quase dura. — Como pode agir como se nada estivesse acontecendo, com Cloud desaparecida? Uma prisioneira tão perigosa? Isso não te preocupa?

O sorriso desaparece de seus lábios, substituído por uma expressão pensativa. Ele fica em silêncio por alguns segundos, o que é incomum para alguém que normalmente tem sempre uma resposta pronta para qualquer provocação.

— Não me preocupo porque sei que ela não fará mais nada. — Sua voz é firme, mas com um tom que carrega mais significado do que ele deixa transparecer.

Eu franzo a testa, confuso.

— Como pode ter tanta certeza?

Deklan me olha diretamente, seus olhos escuros fixos nos meus.

— Porque ela está morta.

As palavras pairam no ar por um momento, enquanto o choque me atinge. Morta? Como assim morta? Não consigo esconder minha surpresa, ou o misto de confusão e incredulidade que toma conta de mim.

— Morta? — Pergunto, a voz mais baixa agora, tentando processar o que ele acabou de dizer. — O que você fez?

Deklan mantém sua expressão impassível, mas o ódio em seus olhos escurece ainda mais seu olhar. Ele fala com uma frieza controlada, mas é impossível ignorar o desprezo que carrega.

— Cloud era uma traidora. Uma ameaça. Ela merecia morrer. — Ele pausa, observando minha reação. — Fiz o que era necessário, Frederick. Para proteger todos nós. Para proteger Francesca.

Suas palavras soam frias, mas há uma verdade brutal nelas. Uma verdade que ressoa em mim, por mais que eu não queira admitir. Ele está certo. Cloud foi responsável por muita dor e sofrimento, especialmente para minha cunhada Luz. Ela ajudou orquestrar o sequestro dela, ameaçou minha família. E, acima de tudo, ela traiu Francesca, minha irmã e a mulher com que Deklan está prestes a se casar.

Apesar do choque, sinto um respeito inesperado crescer dentro de mim. Deklan fez o que eu mesmo sempre quis fazer. Ele lidou com a traição de Cloud da única maneira que ela merecia. Ainda que eu não admita isso em voz alta, sei que ele percebe minha aceitação silenciosa.

— Deveria me agradecer — ele diz, sua voz voltando ao tom casual, mas agora carregada com um peso diferente. — Fiz isso por você, por Francesca. Para proteger todos. Ou você se esqueceu do que Cloud fez?

Eu olho para ele, e embora as palavras de agradecimento nunca deixem meus lábios, há uma nova compreensão entre nós. Deklan Fraser não é apenas um provocador irritante ou o homem que levará minha irmã embora para longe da família. Ele é alguém que sabe proteger aqueles que são importantes para ele. E isso, no fim, é tudo o que eu quero para Francesca. Um homem que seja digno dela. E, de uma forma estranha e brutal, Deklan provou ser esse homem.


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