Capítulo Sessenta e um

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|Catherine|

O rosto de Selin aparece a minha frente na penumbra da caverna, e eu me vejo incapaz de reagir, paralisada pela mistura de surpresa e receio. Ela era a última pessoa que eu esperaria encontrar em uma situação como essa. O que ela quer aqui? Minha mente se divide entre esperança e desconfiança, pois, até onde sei, ela não gostava de mim, mesmo que tivesse me pedido perdão no passado. O medo lateja dentro de mim, tão forte quanto a febre que queima minha pele e me faz sentir o mundo oscilando.

Selin não perde tempo; seus movimentos são precisos e decididos, o olhar fixo em mim com uma frieza que quase me faz tremer mais do que a febre. Num movimento rápido, vejo-a puxar uma adaga reluzente de dentro do decote, e a lâmina reflete a luz da lua que se infiltra pela entrada da gruta. Meu coração dispara, pulsando descompassado, e tenho certeza de que aquele será o meu fim. Meus olhos se apertam em antecipação à dor que virá, mas, para minha surpresa, a lâmina fria corta as cordas que aprisionam meus pulsos e tornozelos.

Uma por uma, as amarras caem ao chão, e eu sinto meus braços pesados, livres, embora dormentes e latejando de dor. Selin desliza a adaga com destreza ao redor da mordaça, e em segundos também estou livre desse sufoco. Ofegante, tento recobrar o fôlego enquanto minha mente luta para processar o que está acontecendo.

— Obrigada... — murmuro em um fio de voz, mas Selin me corta, segurando-me pelo ombro com firmeza e com o olhar rígido.

— Shhh! Quer nos fazer ser ouvidas? — ela sussurra com aspereza, os olhos faiscando com algo que parece... preocupação? Não consigo acreditar no que vejo. Ela realmente está me ajudando.

Selin aponta para um caminho estreito que desce atrás da gruta, quase invisível entre a vegetação densa e escura. A passos cuidadosos, quase imperceptíveis, ela me conduz floresta adentro. Tento não fazer barulho, abaixando-me como ela indica. A cada passo que damos, mais distantes da caverna, sinto o pavor que Henry me causou se dissipar, dando lugar a um alívio que mal ouso admitir.

A floresta é densa e intimidante. A escuridão transforma o caminho numa rota traiçoeira, repleta de pedras soltas e galhos que rasgam minha pele. As folhas secas cortam as minhas mãos e meus joelhos enquanto forço meu corpo a seguir em frente. Sinto a febre se intensificar a cada segundo que passa, e gotas de suor frio escorrem pelo meu rosto. Mas não ouso parar. Não ouso sequer dizer a Selin que estou doente, fraca demais para caminhar. Ela já está se arriscando, provavelmente até mais do que eu, para me tirar deste pesadelo.

Minha visão oscila, os olhos pesados, e, em um momento de distração, sinto uma forte vertigem me dominar. Tropeço em uma raiz grossa que se projeta do chão. Num instante, estou caída de bruços, a dor se irradiando pelo meu corpo. Meu mundo gira, e sinto a umidade fria do solo contra o rosto. Tento me levantar, mas estou fraca demais.

Selin se vira rapidamente ao perceber minha queda, e seus olhos, tão frios minutos atrás, agora carregam uma urgência que me surpreende. Ela se abaixa ao meu lado, tomando meu rosto pálido entre as mãos, os olhos arregalados de preocupação.

— Catherine... o que aconteceu? — Sua voz é um sussurro impaciente, mas não carrega o tom de rivalidade que eu sempre associei a ela.

— Eu estou... só um pouco fraca. Mas precisamos continuar — murmuro, tentando reunir alguma força, mas as palavras saem com dificuldade.

Selin franze a testa, e a expressão dela passa de irritação para algo que parece... compaixão? Ela coloca a mão em minha testa, e arregala os olhos em alarme.

— Você está queimando de febre, Catherine. Assim, você não consegue continuar.

Um arrepio percorre meu corpo ao ouvir o tom de preocupação na voz dela. Estou fraca demais para tentar entender as motivações de Selin. Não há mais forças para duvidar dela. Estou indefesa em suas mãos, e não tenho escolha senão confiar nela agora. Ela retira a capa de veludo que usa e me cobre, puxando o tecido macio sobre meus ombros com um cuidado que quase parece... fraternal. E antes que eu possa processar o que está acontecendo, Selin inclina-se à minha frente e abaixa-se, de costas para mim.

— Coloque os braços ao redor do meu pescoço e segure firme. Eu vou carregar você.

Meus olhos se arregalam. Jamais pensei que ela, a mulher que eu sempre vi como uma pessoa que me odiava por ter lhe tirado o noivo no passado, seria aquela a salvar minha vida.

— Selin... você não precisa...

— Cale-se! — ela me interrompe, mas não com a rispidez de antes. O tom é mais suave, como se ela estivesse tentando esconder alguma fraqueza. — Eu disse para segurar firme.

Minha visão se embaralha por um momento, mas consigo passar os braços ao redor do pescoço dela, e com um último esforço, Selin segura minhas pernas, apoiando-me com uma força que jamais imaginei que ela tivesse. Ela se ergue com determinação, os passos cautelosos, mas fortes. Estou surpresa com a força dela, e, por um breve segundo, a febre e o cansaço cedem lugar à incredulidade.

Cada passo que ela dá parece nos levar para longe do terror que Henry deixou para trás. O ritmo é lento, Selin respira com dificuldade, mas mantém o olhar à frente, atenta a cada ruído, pronta para proteger não apenas a mim, mas também a ela mesma. Não consigo entender por que ela está fazendo isso. Há uma leve suspeita ainda na minha mente, mas estou fraca demais para questioná-la.

O caminho é longo e tortuoso. Meus olhos pesam novamente, mas tento mantê-los abertos, absorvendo cada detalhe deste momento que parece um sonho. De tempos em tempos, meus braços escorregam de seus ombros, mas ela os ajusta com cuidado, sua determinação inabalável. O mundo ao redor parece escurecer ainda mais à medida que avançamos, mas sei que, enquanto estou em suas costas, estou segura.

O silêncio da floresta ao redor é interrompido apenas pelo som de seus passos e sua respiração ofegante. Cada som parece mais alto do que o normal, ecoando em meus ouvidos e se misturando ao compasso descompassado do meu coração.

Eu jamais poderia imaginar, nem em meus delírios febris, que a mulher que por tanto tempo me olhou com raiva agora carregaria meu corpo frágil em suas costas, protegendo-me da escuridão e do perigo. Talvez eu jamais entenda o que a motivou a isso. Talvez este momento se torne apenas uma lembrança confusa entre o terror e o alívio, uma memória que me assombra e, ao mesmo tempo, me consola.

E então, enquanto o cansaço se torna insuportável e a febre ameaça me dominar mais uma vez, eu permito que a escuridão me envolva, sentindo o leve balançar dos passos de Selin, minha improvável salvadora, enquanto ela me leva para longe daquele inferno.


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(Contagem regressiva, galera! Mas, temos muitos babados ainda kkk) 

A Sombra do Passado [Completo]Onde histórias criam vida. Descubra agora