Em um de seus raros momentos nostálgicos e comunicativos, Annie contou a Belle que era a favorita da "Condessa", a administradora da casa na época em que Belle tinha nascido. Se não fosse pelo carinho da mulher, Annie teria sido jogada nas ruas e acabaria em uma Casa de Trabalho ( Casas que adotavam um sistema prisional, estabelecidas para os pobres na Inglaterra em 1834. )
Ela explicou que a Condessa tinha
passado a usar o apelido por conta de seus modos elegantes, sua beleza de rainha em seus dias de juventude e seus admiradores masculinos de alto nível. Foi um destes, e havia rumores de que era membro da família real, que montara a casa para ela em Jake's Court.Quando Belle era apenas uma criança, a Condessa ficou doente e Annie cuidou dela por mais de um ano. Antes de morrer, fez um testamento e deixou tudo o que tinha para Annie.
Annie dirigia a casa desde então. Ela contratava e demitia, agia como uma
anfitriã e cuidava do dinheiro. O comentário frequente nas redondezas de Seven Dials é que ela administrava uma boa casa, ainda que fosse muito dura.Belle tinha ouvido a palavra "bordel" era ante sua infância inteira, mas não sabia o significado exato dela, apenas que era algo que não se fala na escola. A Casa de Annie era também conhecida como uma "casa de prostituição": há alguns anos,
Belle tinha perguntado à sua mãe o que isso significava e ela respondeu que era um lugar de diversão para cavalheiros.Apenas o jeito como Annie lhe respondeu, alto e rapidamente, deixou claro para Belle que ela não deveria questionar mais.Nos arredores de Seven Dials qualquer mulher comum ou garota que se vestisse de forma vulgar, fosse meio volúvel ou agisse com atrevimento, gostasse de alguns drinques e de dançar provavelmente seria chamada de prostituta.
Era um termo pejorativo, naturalmente, mas como era usado frequentemente havia um quê de brincadeira nisso, da mesma forma que chamavam alguém de "namoradeira" ou de "bruxa". Então, até há alguns meses, Belle acreditava que o negócio de sua mãe era apenas dar festas noturnas em que cavalheiros encontravam garotas atrevidas e divertidas para beber e dançar.
Mas recentemente, por meio de músicas indecentes, piadas e "conversinhas", Belle percebeu que os homens têm algum tipo de necessidade para satisfazer e era para satisfazer essa necessidade que eles iam a lugares como a Casa de
Annie.Os detalhes do que isso significava não tinha descoberto. Mas não podia puxar assunto nem com Annie nem com Mog, e as garotas tinham muito medo de sentira fúria de Annie para contar quaisquer segredos para Belle.
À noite, ao se deitar na cama no porão, sons de alegria filtrados chegavam até lá; o piano era tocado com entusiasmo, copos tiniam, havia gargalhadas masculinas, batidas, pés dançando e canções - parecia muito divertido. Belle algumas vezes
desejou se arriscar, arrastar-se até as escadas e dar uma olhadinha pela porta. Porém, ainda que ela quisesse muito conhecer toda a verdade dos negócios de sua mãe, algo lhe dizia que havia também um lado obscuro em tudo isso.Em alguns momentos ouvia choros, súplicas ou até gritos, e sabia que as garotas não eram felizes o tempo todo. Havia muitos dias em que elas desciam para jantar com os olhos inchados e faziam suas refeições em um sombrio e pesado silêncio. Por vezes alguma delas tinha um olho roxo ou hematomas nos braços.
Mesmo no melhor dos dias as garotas estavam sempre fracas e pálidas. Elas não tinham muita disposição de ser amáveis com Belle também. Mog dizia que era porque sentiam que ela era uma espiã de Annie, e que tinham ciúme dela. Belle não podia imaginar do que teriam ciúme - não possuía nada mais do que elas -, mas as
garotas nunca a incluíam nas conversas e paravam de falar quando ela entrava na sala.Apenas Millie, a garota mais velha, era diferente. Ela sorria para Belle e gostava de conversar. Por outro lado, Millie era limitada, pulava de um assunto para outro como uma borboleta, incapaz de sustentar uma conversa significativa com alguém. Mog era na verdade a única amiga de Belle, e muito mais mãe para ela
do que Annie. Seu verdadeiro nome era Mowenna Davis, e ela vinha dos vales Welsh. Belle não tinha conseguido dizer Mowenna quando era bebê e a tinha chamado de Mog, e o nome continuou a ser usado por todo mundo. Ela contara a Belle uma vez que, se a chamassem de Mowenna, não reconheceria esse nome como sendo o dela.Uma simples, pequena mulher em seus quase 40 anos, com opacos cabelos castanhos e pálidos olhos azuis, Mog trabalhava na casa como empregada desde os 12 anos. Talvez sua simplicidade fosse o que a tinha mantido limpando quartos e acendendo o fogo; ela usava um vestido preto, avental branco e touca em vez do cetim chamativo e acetinado e cabelos cheios de fitas das garotas de lá decima. Mas ficar sozinha na casa era algo comum para ela. Não fazia birra, discutia ou brigava.
Ela executava seus deveres domésticos com alegria serena, e
inabaláveis lealdade e devoção para com Annie e amor por Belle.
A porta da frente da Casa da Annie era na Monmouth Street, pelo menos ficava atrás, em um beco meio distante, mas apenas os cavalheiros visitantes usavam aquele caminho, subiam quatro andares para a porta da frente e entravam nohall e no salão. A entrada usada por todos os que moravam lá era perto da
esquina da Jake's Court; entravam no pequeno quintal, desciam seis andares para a porta de trás e entravam no que era quase um porão.Mog estava picando carne na mesa da cozinha quando Belle entrou pela copa. A cozinha era um grande cômodo com teto baixo e chão lajeado, dominado pela extensa mesa no centro. Um armário ao longo de uma parede guardava toda a
porcelana, e no lado oposto estava o fogão, havia ainda vasilhas e outras panelas penduradas acima dele em ganchos. Lá era sempre quente por causa do fogão,mas um pouco escuro por ser no porão. Durante os meses de inverno, a luz a gás ficava acesa o tempo todo. Havia muitos outros cômodos neste piso, uma lavanderia, os quartos de Belle e Mog e muitos depósitos assim como o estoque de
carvão.- Venha e se aqueça no fogão - Mog disse logo que viu Belle. - Não sei o que você arranja para fazer na rua! Não suporto todo aquele barulho e empurrões.
Mog raramente ia além das áreas próximas porque tinha medo de multidões. Ela dizia que quando foi olhar o cortejo do funeral da rainha Vitória, nove anos antes, foi tão empurrada que teve palpitações e pensou que ia morrer.
- Tem muito barulho aqui também, mas não parece incomodar você - Belle ressaltou quando ela tirava sua capa e seu cachecol. De lá de cima ela podia ouvir Sally, a garota mais nova, gritando sobre alguma coisa.
- Essa não vai durar muito - Mog disse sabiamente. - Muito explosiva!
Era raro Mog fazer algum comentário sobre as garotas e Belle esperava que ela dissesse muito mais, talvez ela conseguisse que Mog continuasse.- O que você quer dizer com isso? - Belle perguntou, aquecendo suas mãos no fogão.
- Ela acha que deve ser a garota mais importante - Mog respondeu. - Sempre discutindo, sempre se colocando em primeiro lugar. As outras garotas não gostam disso, ou do jeito que ela se joga nos cavalheiros.
- De que jeito? - Belle perguntou, esperando não parecer muito óbvia.
Mas Mog congelou visivelmente, de repente se dando conta de que estava falando de algo que sua "protegida" não deveria saber.

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Belle
De TodoBelle, uma jovem de quinze anos, viveu toda a sua vida em um bordel. Sem saber o que realmente acontecia nos quartos no andar de cima. Porém, em uma noite que poderia ter sido como qualquer outra, ela testemunhou o assasinato de Millie, uma das garo...