Gabrielle olhou mais uma vez para o relógio do hall. Já eram duas da tarde e Belle ainda não voltara. Ela tentava dizer a si mesma que sua hóspede estava com um homem de quem gostava muito e, talvez, ele a tivesse levado para passear naquele dia.
Porém, nenhuma mulher em seu juízo perfeito sairia durante o dia com um vestido de festa e uma capa de pele de raposa. O instinto de Gabrielle lhe dizia que Belle estava com problemas. Ela tinha, é claro, chegado ao hotel com uma roupa de noite, embora usasse um casaco quente por cima dela. Nunca dissera de onde veio naquele dia, mas, como o Mirabeau homem e pegado um trem para Paris. Gabrielle geralmente não sentia o menor interesse pelos hóspedes.
Contanto que fossem quietos, limpos e respeitosos com o hotel e os outros hóspedes e pagassem o que deviam, ela não precisava de mais nada. Como qualquer outra dona de hotel, ela havia passado por sua cota de hóspedes difíceis, desagradáveis e problemáticos nos cinco anos em que estava lá. Já tinha chamado a polícia para prender alguém, uma mulher havia cometido suicídio no andar de cima, maridos raivosos apareciam procurando por esposas fugitivas; até recebeu uma mulher que, no final das contas, era na verdade um homem.
Apareceram dezenas de prostitutas procurando por um quarto também. Ela costumava reconhecer o que elas faziam e negava o quarto, mas, para aquelas que não reconhecia, assim que elas tentavam trazer um homem, Gabrielle lhes mandava embora. Belle era um caso especial, no entanto. Ela havia chegado desarrumada, claramente angustiada e sem bagagem, e Gabrielle achou que, qualquer que fosse o problema daquela garota, ele a seguiria até o hotel.
Mas isso não aconteceu. Ela percebeu o que Belle fazia depois da segunda vez em que ela voltou de manhã cedo. Gabrielle ficou com medo; a experiência, inclusive seus próprios erros na mesma linha de trabalho, diziam a ela que, em pouco tempo, Belle tomaria liberdades. Porém, ela não fez isso e, na verdade, era a hóspede ideal; não fazia exigências, apreciava qualquer pequena gentileza e era extraordinariamente discreta.
O que tornara Belle tão querida para
Gabrielle tinha sido, na maior parte, seu brilho, suas boas maneiras e seu sorriso carinhoso. Gabrielle gostava da maneira como ela aprendera um pouco de francês e passara a adorar Paris, e era sempre um prazer vê-la tão bem vestida, elegante, bonita e educada. No entanto, naquele momento, parecia que o nervosismo que Gabrielle sentira em relação a ela nas últimas semanas não era despropositado.Ela sabia por conta própria que Paris era cheia de perigos para garotas como Belle. Não apenas havia criminosos que não parariam por nada para conseguir uma parte do dinheiro ganho por ela, mas também havia loucos que desenvolviam obsessões por garotas adoráveis como Belle.
Às dez horas daquela noite, Belle ainda não tinha voltado e o nervosismo de Gabrielle estava ficando mais acentuado. Desesperada, ela subiu ao quarto de Belle, acendeu a luz e olhou ao redor, esperando encontrar algo que pudesse lhe dar uma pista de para onde ela havia ido na noite anterior. Como sempre, o quarto estava limpo e arrumado; os vestidos estavam pendurados no armário, os sapatos estavam no chão, alinhados, e as roupas íntimas estavam dobradas com cuidado nas gavetas. Havia alguns livros ingleses ao lado da cama, uma garrafa de colônia na penteadeira, uma escova de cabelos, um pente e vários grampos em uma bandeja rasa. Um livro de desenhos ao lado da cama foi uma surpresa, pois continha apenas desenhos de chapéus. Embora Gabrielle falasse inglês bem, ela não conseguia ler muito, mas supôs que as anotações abaixo de cada chapéu eram os materiais e ideias sobre como fazê-los.
Ela achou estranho Belle ter o desejo de ser modista de chapéus, porém, a julgar pelos lindos designs e extensas anotações, ela pensava sério na profissão. Todas as roupas, produtos de higiene e badulaques haviam sido adquiridos desde que Belle fora morar no hotel. Ela não recebia cartas e não havia um caderninho ou diário que desse uma dica de quem ela era e de onde viera, ou mesmo o endereço de amigos e parentes na Inglaterra. A única comunicação que existia era quando um garoto errante aparecia com um bilhete.

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Belle
De TodoBelle, uma jovem de quinze anos, viveu toda a sua vida em um bordel. Sem saber o que realmente acontecia nos quartos no andar de cima. Porém, em uma noite que poderia ter sido como qualquer outra, ela testemunhou o assasinato de Millie, uma das garo...