Mentir não era algo fácil para Belle. Ela havia dito à Senhorita Frank que estava ali morando com seu guardião, pois sua mãe viúva havia falecido. Mas como a esposa e os filhos dele não queriam que ela morasse com eles, o guardião encontrara uma acomodação alternativa para ela. Não parecia muito plausível, nem mesmo para ela mesma, que um guardião permitisse que uma menina jovem como ela vivesse em uma cidade desconhecida. Mas a Senhorita Frank pareceu acreditar; ela desaprovava a situação e disse que não estava certo, mas sua reação deixava Belle ainda pior.
Ela queria muito poder dizer a verdade, tirar o peso daquela história de cima de suas costas. Mas por mais que a Senhorita Frank fosse gentil, ela não era uma mulher da vida, mas, sim, uma solteirona beata que provavelmente nunca havia beijado nenhum homem, muito menos tido uma experiência sexual. Ela não aceitaria ter uma prostituta em sua pequena loja; poderia até pensar que Belle havia se aproximado planejando roubá-la.
Consideraria nojento o fato de Belle ser amante de um homem casado. Poderia até denunciá-la à polícia e, assim, Martha tomaria conhecimento de seu paradeiro. Por isso, Belle procurava manter-se calada, dizendo o mínimo possível à Senhorita Frank e a suas clientes, e, ao mesmo tempo, trabalhava com afinco para dominar as novas habilidades que estava aprendendo, fazendo desenhos de chapéus à noite.
Ela não contou a Faldo a respeito de seu novo interesse, pois sabia que ele não ia gostar. Mas encantada por ter encontrado a alegria na loja da Senhorita Frank, ela tentou fazer mais coisas para agradar a seu amante.
- Diga-me onde esteve esta semana - perguntou ela depois de fazer para ele um drinque com hortelã, que ele dizia ser seu preferido. Algumas vezes, ele dizia ter passado por St. Louis, ou até mais longe, mas quase sempre, ele não se preocupava em responder, apenas bebia o drinque e afirmava estar na hora de dormir. Certa noite, ela perguntou por que ele não queria mais conversar com ela.
- O que quer que eu diga? - perguntou ele, dando de ombros. - Não venho aqui para responder a perguntas, fico cansado no fim do dia.
A cada visita, Belle se sentia um pouco mais triste e usada por ele, mas ela remediava isso dizendo a si mesma que tinha um abrigo, e culpava a si mesma por ter aceitado a situação sem conhecê-lo melhor antes.
Mas, durante os dias, ela ficava muito mais animada, porque seus desenhos começaram a melhorar drasticamente quando ela compreendeu como os chapéus eram feitos. Ela entrava correndo na loja com eles pela manhã e a Senhorita Frank se divertia com seu entusiasmo e afirmava que os avaliaria melhor mais tarde.
Na maioria das vezes, ela dizia a Belle que eles não eram práticos, às vezes por serem pesados ou desequilibrados demais, outras vezes porque exigiriam trabalho demais, mas, por fim, ela reexaminou um desejo que se parecia com uma rosa grande e disse, com alegria, que Belle havia feito um bom desenho.
- Ele é perfeito para as mulheres que não querem um chapéu que estrague ou amasse seu penteado - disse ela. - Posso fazer a base dele pequena; ele pode ser preso com um grampo de cabelo. Acredito que a dona do Angelica's vai adorar este. Vamos fazer um e vou levá-lo para ela.
Elas fizeram o primeiro chapéu na cor rosa. A base endurecida e moldada foi coberta por um veludo cor-de-rosa, e a flor foi feita de seda com arame, e o lado de dentro de cada pétala tinha um tom mais escuro. Elas o finalizaram no meio da tarde e, quando Belle o experimentou, a Senhorita Frank bateu palmas, satisfeita.
- Querida, este é uma vitória - disse ela. - Vou levá-lo à loja agora mesmo. Vá para casa, vou fechar a loja.
Já eram quase quatro da tarde quando Belle saiu da loja e, no caminho para sua casa, começou a chover, por isso ela correu. Quando destrancou a porta e entrou, a chuva havia se transformado em tempestade e o céu estava tão escuro que ela precisou acender o gás imediatamente. Sentira-se muito feliz na loja, por ter agradado à Senhorita Frank, mas naquele momento, de volta à realidade, sozinha por mais uma longa noite com a chuva batendo com força no telhado, ela sentiu que não mais aguentaria tudo aquilo. Não era certo ser mantida por um homem tão frio. Ela deveria poder contar a ele que estava aprendendo a fazer chapéus, mostrar os desenhos e admitir o sonho de ter uma loja.
Certa vez, ela contou a ele que havia pegado o bonde para ver as casas grandes do Garden District e por sua expressão, ela percebeu que ele não aprovava sua atitude. Desde então, ela só contava a ele que havia assado um bolo, ou feito um bordado ou tricotado, mas era muito errado não poder contar mais nada.
- Troquei uma escravidão por outra - murmurou ela a si mesma, e as lágrimas começaram a rolar. - Ele só quer um lugar onde ficar quando está na cidade e uma mulher na cama para não ter que pagar por uma em um bordel.
Ainda assim, nada daquilo fazia sentido para ela, pois era mais caro mantê-la do que se hospedar em um hotel e pagar por uma prostituta. Era confuso: ela conhecia os homens e sabia que poucos deles colocariam alguém dentro de uma casa e pagariam as contas a menos que estivessem apaixonados.
Por que ele nunca dizia quando a veria de novo? Por que não fazia uma refeição com ela, por que não a levava para passear ou ir ao cinema? Por que, tendo sido tão caloroso e falante na casa de Martha, ele havia mudado tanto? Por ser sustentada por ele, Belle acreditava que não podia questioná-lo acerca de nada, e também acreditava que precisava mostrar-se disposta a fazer amor com ele.
Chegara a pensar que, assim, ela o incentivaria a tentar satisfazê-la na cama; ele não fazia qualquer esforço para agradá-la, e isso, juntamente com sua atitude rude de que, por ela ser sustentada por ele, tinha que fazer o que ele quisesse, tornava cada vez mais difícil para ela fingir que gostava de fazer sexo com ele.
Não sabia por quanto tempo mais teria de manter a falsidade. Ela entrou na sala, sentou-se em uma das cadeiras e entregou-se ao choro.
A lareira vazia fez com que ela se lembrasse que, naquela época do ano, em sua casa, todas as lareiras da casa ficavam acesas. Imaginou Mog vestindo um avental branco e limpo preparando a refeição da noite, falando enquanto tirava as panelas de cima do fogão e as colocava sobre a mesa. Annie estaria na sala fazendo as contas de casa; as meninas estariam arrumando os cabelos para a noite que começaria.
Belle queria estar com elas, lendo trechos do jornal para Mog, ou simplesmente contando fofocas que havia escutado enquanto resolvia pendências na rua. Sentia muita falta de casa.
A vida era tão simples antes de Millie ser morta; talvez fosse um pouco chata, mas ela se sentia segura, ciente do que era esperado de sua parte, e ciente também do que Mog e Annie sentiam em relação a ela. Lembrou-se de quando conhecera Jimmy e de como tinha sido bom ter um amigo de verdade. Com ele, Londres se tornara um lugar maravilhoso, e ela tinha grande esperança de explorar mais locais com ele. Será que ela estaria caminhando com ele se não tivesse sido levada? Como teria sido se ele tivesse sido o primeiro homem a beijá-la? Belle suspirou profundamente, não apenas por ter certeza de que Jimmy já a havia esquecido completamente, mas porque duvidava que conseguiria se encaixar na vida que havia deixado para trás na Inglaterra.
O que deveria fazer? Não podia deixar Faldo, não enquanto não tivesse um emprego ou um lugar para morar. E suas economias não eram suficientes para levá-la para casa. As lágrimas corriam livremente por seu rosto. Ela estava presa.

VOCÊ ESTÁ LENDO
Belle
RandomBelle, uma jovem de quinze anos, viveu toda a sua vida em um bordel. Sem saber o que realmente acontecia nos quartos no andar de cima. Porém, em uma noite que poderia ter sido como qualquer outra, ela testemunhou o assasinato de Millie, uma das garo...