Capítulo 27

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Belle tinha esperança de que fosse para um hospital, pois o choque de ver o homem a fez tremer ainda mais violentamente. Ela pensava que estava sonhando que andava de carruagem, porém o barulho das
rodas e o trotar dos cascos dos cavalos pareciam muito reais.

Foi o silêncio que a alertou, quando acordou, que ela tinha de fato sido levada para outro lugar. Na outra casa havia constantes sons - vozes de pessoas, cascos de cavalos na rua, música e pela manhã um barulho distante de serra e um estrondo que podia ser de uma fábrica ou oficina. Não necessariamente era um barulho alto, mas sempre havia um som como o de insetos no verão.

Aquele lugar era quieto como um cemitério, como se não houvesse outro ser humano ou até algum animal em quilômetros. Belle virou a cabeça em direção da fonte da pálida luz dourada e viu que havia uma grande janela com cortinas puxadas, pequenas e cor de pêssego, que ondulavam com a brisa leve. Sua cama era quente e confortável, mas um leve cheiro vinha de debaixo dos
cobertores, o que sugeria que ela deveria estar lá por algum tempo, talvez até por dias. Ela lutou para sentar, mas se sentiu tão fraca que caiu de volta no travesseiro. O quarto era quase como de um convento, tinha pouca coisa. Sua cama era de um ferro estreito, no lugar havia uma cadeira simples de madeira, uma mesa de jogos coberta de feltro próxima da cama dela e em cima desta mesma mesa um jarro de água e um copo. As paredes eram muito brancas e havia um crucifixo em cima de sua cama. Não existia espelho, pinturas, nem mesmo um lavatório. Ela se perguntou onde estava.

Ela se lembrou de que havia ficado muito doente e que um médico tinha ido vê- la. Não se sentia doente agora, e quando se moveu um pouco na cama achou que suas partes íntimas não estavam mais machucadas. Ela se esticou e bebeu um pouco de água: era bom beber, sua boca estava muito seca. O som da porta abrindo a surpreendeu e ela se cobriu involuntariamente, escondendo os olhos.

Uma mulher falou em francês, com voz gentil que era tão reconfortante quanto o silêncio dali.

- Você está se sentindo melhor, ma chérie? - ela perguntou em inglês.

Os olhos de Belle abriram de repente para olhar uma mulher muito bonita de uns 30 anos. Ela tinha cabelos castanhos brilhantes presos em um coque, grandes olhos cinza e usava um vestido de lã cinza de gola alta com um broche de pérola nopescoço.

- Você fala inglês? - Belle disse, e sentiu que sua voz parecia rachada.

- Sim, um pouco. Sou Lisette, tenho cuidado de você desde que chegou aqui.

- O que é este lugar? - Belle perguntou amedrontada. Lisette sorriu. Seus lábios eram carnudos e ela tinha o tipo de sorriso que acalentaria qualquer um.

- Um bom lugar - ela disse. - Nada para você temer.

- Sem homens? - Belle perguntou em voz baixa. Lisette pegou uma de suas mãos e colocou nas suas.

- Sem homens. Sei o que fizeram
com você. Aquilo não acontecerá de novo. Você ficará forte e bem.

- Então vou poder voltar para casa na Inglaterra? Ela sabia só pelo olhar de Lisette que isso não ia acontecer.

- Não, Inglaterra, não. Madame Sondheim passou você adiante, então não voltará para lá.

Aquilo era suficiente para Belle por enquanto. Ela sentia fome, precisava se lavar, e se conseguisse dormir em paz naquele lugar quieto sem ameaça de violência, estava bom.

*********

Mog acordou de um estranho e ligeiramente perturbador sonho, e ficou deitada por alguns momentos no escuro querendo saber exatamente sobre o que era, e se ela deveria levantar e fazer uma xícara de chá. Mas de repente sentiu cheiro de fumaça e pulou fora da cama. O fogo estava sempre presente por toda a Londres, mas especialmente em lugares como o Seven Dials onde as casas eram muito coladas e muitas delas apresentavam mau estado de conservação. Mog sempre tinha feito questão de conscientizar as garotas de como era fácil um fogo começar com uma cinza que caía num tapete, uma vela acesa derrubada, ou até longas saias presas na lareira sem
proteção.

BelleOnde histórias criam vida. Descubra agora