Capìtulo 52

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Quase todos os dias ela desejava estar com as meninas na cozinha de Martha,
durante os cafés da manhã longos e divertidos, quando ficava de camisola com o cabelo despenteado, e todas falavam ao mesmo tempo a respeito da noite anterior e riam quando uma delas descrevia uma experiência particularmente esquisita. Depois, vinham as tardes preguiçosas, que ela passava caminhando pelo French Quarter ou deitada no quintal dos fundos, conversando e bebendo
refrescos. Ela daria qualquer coisa até mesmo para escutar a campainha tocando, ainda que isso significasse que um cavalheiro chegava e de repente todas tinham que expor sorrisos sedutores e se prepararem para o que viria em seguida.

No Distrito, era quase impossível descer a rua sem ser parada por alguém que
quisesse conversar. Os músicos de rua sempre flertavam com as meninas, e
normalmente tocavam músicas especialmente para elas - ela já tinha perdido a conta do número de vezes em que havia parado para escutar e rir enquanto flertavam com ela. Ela podia comprar um sorvete ou uma fatia de melancia de alguma barraquinha e a vendedora sempre contava alguma fofoca. Os donos de lojas eram todos muito simpáticos e a cumprimentavam com sorrisos; não havia mau humor - ninguém se considerava superior a ninguém. No Distrito, existia a sensação de que todos eram iguais e estavam no mesmo barco, muito parecida com a atmosfera em Seven Dials.

Mas, até aquele momento, nenhuma pessoa da rua havia conversado com ela, nem mesmo sorrido. Ela duvidava que isso se devia ao fato de ela ser uma mulher reservada - ela não via ninguém conversando com ninguém. Imaginou que as coisas deviam ser assim em "áreas respeitáveis". As pessoas eram discretas com medo de alguma coisa.

Ela não sabia se era medo de envolvimento ou apenas uma atitude esnobe. Mas, independentemente do motivo, ela não gostava daquilo.

Às vezes, se sentia tão sozinha que chorava até adormecer. O silêncio a sufocava e fazia com que se sentisse ameaçada. Havia chovido muito forte duas noites também, uma chuva tão pesada que batia no telhado de latão com muita força, e ela tremia de medo. Passou a sair para longas caminhadas, e a cada vez ia mais e mais longe para demorar para voltar para casa e, assim, ficava muito cansada para poder dormir quando voltasse.

Faldo a visitava uma vez por semana, mas era sempre em dias diferentes. A
princípio, ela pensava que aquilo se devia ao fato de ele não ter uma rotina e nunca saber por quanto tempo ficaria em um lugar, mas depois, ela passou a
desconfiar de que ele só fazia isso para poder ter a certeza de que ela não estava na companhia de mais alguém.

Em sua primeira visita depois da mudança, ele chegou com uma caixa de uma loja chique de lingerie. Ele havia comprado para ela uma camisola de seda vermelha com um robe combinando, além de elegantes chinelos de couro vermelho decorados com detalhes pretos. Ele foi adorável naquela noite, muito carinhoso, elogiando-a porque a casa estava bonita e mostrando-se preocupado por ela estar sozinha. Ela pensou que as coisas sempre seriam daquela maneira.

Planejava preparar refeições especiais para ele, arrumando a mesa com flores e velas, e que às vezes eles sairiam para ir a um restaurante ou ao teatro. Ela até
imaginava que um dia ele sugeriria uma viagem de férias.

Mas quando ele apareceu de novo, estava frio e distante e ela não conseguia entender o motivo. Ela não estava feia; todas as noites, ela tomava banho, cuidava dos cabelos e vestia uma lingerie nova, para o caso de ele chegar. Por ela fazer tudo o que podia para agradá-lo, foi doloroso ver que ele não retribuía com carinho. Mas naquela noite, ela o perdoou, por imaginar que ele tivera um dia péssimo.

No entanto, as coisas passaram a ser desse jeito. Nunca conseguia relaxar
totalmente à noite, porque ele podia chegar a qualquer momento. Se até as dez ele não chegasse, ela sabia que não mais chegaria, então tirava a bela lingerie, vestia a camisola e ia para a cama. E nas noites em que chegava, ele não conversava, não perguntava como havia sido seu dia nem falava sobre o dele.

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