Capítulo 19

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Levou algum tempo para subir as escadas por causa do jeito como seus tornozelos estavam presos, mas Sly foi paciente com ela, o que a encorajou. Mesmo assustada como estava, sentia que deveria dizer alguma coisa para ele.

- Você é um homem ruim como o senhor Kent? - ela soltou quando eles chegaram ao topo das escadas. - Não parece que seja.

Ela estava falando a verdade em relação a isso, pois ele tinha um rosto agradável, com muitas ruguinhas ao redor dos olhos castanhos suaves. Achava que isso dificultava julgar a idade dos homens, mas imaginava que ele fosse alguns anos mais velho que o senhor Kent.

- Ser mau significa diferentes coisas para pessoas diferentes - ele respondeu, e parecia ter sinal de riso em sua voz.

- Matar pessoas é mau para todo mundo - ela disse.

- Bem, eu não matei ninguém - ele disse, e pareceu um pouco surpreso - e nem tenho intenção de fazer isso.

- Então o que vocês vão fazer comigo? - ela perguntou.

Ele abriu uma porta e a deixou entrar, colocando a vela em um assento debaixo de uma grande janela. O quarto estava sem mobília exceto por uma cama com colchão fino e um pouco manchado além de um penico embaixo dela. Em cima do móvel havia uma pequena pilha de cobertores e um travesseiro.

- Você mesma pode arrumar - ele disse. - Não vou amarrar suas mãos de novo porque você não tem como sair daqui. A janela é vedada com tábuas do lado de fora e eu a trancarei aqui.

- Por quanto tempo? - ela perguntou. - E o que vocês vão fazer comigo? - ela
repetiu.

- Isso será decidido esta noite - ele disse.

- Se essa casa é sua e você o ajuda a me trazer aqui e ele me matar, você será tão mau quanto ele - ela disse, olhando para ele atentamente com o olhar que Mog sempre usava e que tinha apelidado de "olhar de implorar".

- Você, menina, é esperta demais para sua idade - ele disse com um meio sorriso.

- Mas imagino que isso seja parte de crescer em um bordel. Sua mãe falhou com você, ela deveria tê-la mandado para longe. Mas talvez ela tivesse a intenção de treiná-la.

Belle franziu as sobrancelhas, sem entender o que ele queria dizer com aquilo.

- Durma um pouco - ele disse. - Boa noite!

Quando a porta foi fechada e trancada por fora, Belle se desmanchou em
lágrimas. Estava com um frio que atravessava os ossos, sem ideia de onde estava, e ainda que seus sequestradores não a tivessem estuprado ou machucado como ela esperava, não iam deixá-la voltar ilesa para casa no dia seguinte. Mas se iam matá-la, por que não tinham feito isso logo que a pegaram? Belle queria muito acreditar que esse não era o plano deles e que talvez fossem pedir um resgate por sua liberdade.

Mas era muito mais provável que precisassem da luz do dia para levá-la ao lugar de sua morte, alguma floresta ou pântano onde seu corpo nunca pudesse ser encontrado.

Belle nunca tinha antes passado uma noite longe de sua mãe e de Mog. Ela
frequentemente se sentia um pouco solitária e excluída por ficar embaixo, na cozinha, enquanto elas estavam em cima, mas jamais ficava assustada, porque sempre soube que Mog ia vê-la de hora em hora.

Mas não havia Mog agora para ajudá-la a arrumar a cama, para colocá-la nela e apagar a vela. Embora mal pudesse enxergar através das lágrimas escolheu dois cobertores macios para se deitar entre eles como não havia lençol, então espalhou o resto das roupas por cima, com seu casaco por último. Sentando na cama, ela se abaixou e tirou as botas, então balançou suas pernas amarradas para cima da cama e torceu-as para baixo dos cobertores. Ela se sentia pegajosa
e cheirando a mofo, e o colchão era fino e encaroçado também.

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