Mini contos

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O Monstro.

Por wagnerpask

Berenice, dentro do próprio quarto, tremia sentada sobre a cama enquanto a filha rabiscava com giz de cera uma folha A4. Como seria diferente? Sua filha amada não mais se alimentava, não brincava nem queria ir ao colégio. O que estava acontecendo com aquela tenra criança? Apenas sete anos de vida e já passando por sintomas de uma tristeza infernal.

A mãe, no escritório onde ganhava o pão de cada dia, do outro lado da cidade, acostumara-se a receber pessoas que traziam suas crianças com o intuito de descobrir o que as estava acometendo e privando da tradicional ternura inerente àqueles seres adoráveis e inocentes. Em anos de profissão, a mulher decifrou os medos de dezenas de inocentes anjinhos. Sempre que uma nova lhe chegava para analise, os responsáveis narravam sintomas parecidos: medo de dormir sozinhas, fazendo xixi na cama, birra para ir ao colégio, isolando-se o dia todo debaixo das cobertas... silêncio cavernal durantes as refeições (quando estas aconteciam). Mas ali, dentro de casa, era diferente. A paciente era sua bebê de cachos dourados. Sua unigênita.

Aquela situação era perturbadora, pensou a mãe secando a gota de suor que escorria de sua testa. Tudo começara há pouco menos de seis meses. Primeiro a menina se tornou silenciosa, não brincava mais como antes nem fazia as típicas traquinagens das proles cheias de saúde.

O avô, responsável por Bia nos dias de semana enquanto Berenice dirigia-se ao trabalho, agravando ainda mais os ânimos da Doutora, assentiu às suspeitas: a garotinha, outrora espoleta e hiperativa, não mais aprontava como antes. Não importava quantos doces ou brinquedos ganhasse, o peso do silêncio continuava sobre seus delicados ombros. A mãe sentiu-se em queda livre rumo ao fundo do poço. Queria ajudar a amada, mas palavra alguma escapava da boca de Beatriz.

As semanas se passaram. Bia foi levada a diferentes médicos. Era preciso saber o que a estava deixando daquela forma... aqueles meses estavam sendo os mais assustadores da vida de Berenice. Sentia-se uma mãe completamente inútil e vulnerável. Queria poder prender a filha nos braços e a proteger daquilo que a estava maltratando, mas tudo que podia fazer era esperar... esperar que as palavras que Bia não tinha coragem de dizer o papel expusesse.

Primeiro, Berenice cogitou que a filha estivesse sofrendo bullying na escolinha. Conversou com professores e outros pais. Mas a cada nova entrevista mais tinha certeza: Bia era muito querida entre as crianças de lá. Qualquer outra pessoa ficaria contente em saber que o filho(a) tem muitos amiguinhos, mas, para a nossa lastimada protagonista, aquilo era perseguir a luz salvadora no coração de uma floresta escura e acabar com os pés à beirada de um precipício... Parar a corrida de solavanco, fazendo voar cascalho nas profundezas do abismo do medo.

A mulher enfiou a cabeça entre os joelhos e cobriu a face com a palma das mãos. Precisava chorar, mas não podia... permanecer forte era necessário. Sua filha estava ali e carecia do socorro de uma mãe. Doutora Berenice tentou muitas vezes conversar com sua Cachinhos Dourados, mas isso apenas fizera crescer ainda mais o medo dentro de seu peito.

— Querubim, você tem medo de dormir sozinha? — Dra. Berenice questionou na tarde passada, com serenidade na voz, logo após acomodar a amada na cama, ao lado de um belo e viçoso leão de pelúcia.

Bia apenas assentiu, virando-se de costas para a mãe e abraçando o leão como se buscasse um alento para o sofrimento sepulcral ao qual estava sendo submetida.

— Querubim, é algum monstro que tá fazendo isso com você? — A mãe sutilizou, secando uma lagrima com o dorso da mão.

Pela janela ainda aberta, às costas de Berenice, uma brisa gelada entrou, esvoaçando seus cabelos e fazendo um profundo calafrio cruzar sua espinha. Aquilo era um mau sinal... Angustiante! Desolador! A menina acariciou com o delicado indicador a cabeça do leão e balbuciou umas poucas palavras, fazendo o coração da mulher disparar abruptamente no peito.

— Sim, mamãe, é um monstro — confirmou com voz embargada e temerosa.
— Dentro do seu armário, meu bebê? — Questionou. Torcia que Bia assentisse.

— Não, mamãe.

Berenice arqueou-se sobre a filha. Seu peito chegava a doer, tanta era a violência de suas batidas cardíacas.

— Se não tá no armário, onde esse monstro está?

— Não posso dizer.

— Por quê?! — Desesperou-se.

Bia deixou escapar um suspiro antes de responder e enfiar a cara no travesseiro, entregando-se a um planto lamurioso.

— Se eu contar ele disse que vai te matar, mamãe.

*****

Berenice levantou o olhar. A filha estava terminando o desenho. Esperava encontrar naquela folha de papel as respostas para o mal que aterrorizava seu bebê. Olhou para o relógio. 13h, estava quase na hora do avô da criança chegar do trabalho. Ela andou até a janela, abriu-a e sugou para os pulmões uma generosa porção de oxigênio. Estava no andar superior do sobrando que comprara com seu trabalho. Dali podia ver toda a extensão da rua asfaltada que separava as duas fileiras de casas brancas como dentes-de-leite e gramados de um verde-louro invejável. Olhou para a direita, para a casa vizinha a sua. A casa onde morava Jorge, seu pai e avô e Bia. Ele precisava chegar logo. Apesar da dor e dos medos, Dra. Berenice precisava trabalhar, e nesse período alguém precisava ser responsável pelo seu maior tesouro. Alguém precisava passar as tardes de dias úteis com aquele anjinho em terra.

O Toyota roncou no fim da rua. Seu pai estava chegando. Berenice o amava de pleno coração.

Desde que Jorge separara-se da última companheira, passara a requerer mais a companhia de Bia. Berenice entedia aquilo como um berrante sinal de carência. Coisa da melhor idade, dizia ela. Aquele senhor já próximo da casa dos 60 anos era um doce com a neta. A tratava com beijos e carinhos e, acima de tudo, jurava por tudo que há de mais sagrado que descobriria o que estava acontecendo com a neta.

Berenice viu o veiculo passar a casa vizinha e parar na frente de sua porta. Jorge desceu do automóvel carregando debaixo do braço um grande urso panda de pelúcia, maior que a própria neta. Berenice sorriu, andando na direção da mesa já abandonada pela filha que correra para um canto escuro do cômodo e lá se acocorara. A mãe sorria, esquecendo por alguns segundos de todo o mal que estava acontecendo em sua vida.

Apanhou o desenho da mesa sem nem o olhar...

Os passos de Jorge ecoavam pela casa... o quarto tornou-se um jazigo: frio, úmido e com cheiro de morte... a menina fechou os olhos e começou a tremer. Seu inocente coração estava prestes a explodir. Maldito Diabo; maldito pesadelo sem fim; maldita realidade asquerosa e desprezível.

Berenice baixou o olhar, mirando o desenho na folha em suas mãos. O sorriso desapareceu, dando lugar a uma carranca de puro ódio e desprezo! Os passos se aproximaram e a criatura bateu à porta. A mulher olhou para a criança que choramingava e então cerrou os punhos. Seus instintos naturais gritavam dentre de si. Chamas ardiam em seus olhos... Berenice não seria mais uma mulher; mas uma fera que dá a vida pela cria.

A porta do quarto se abriu: o pior dentre todos os monstro estava ali!

Vamos conversar: quantos monstros existem neste mundo? O que deve ser feito para solucionar este desastre social?

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Vamos conversar: quantos monstros existem neste mundo? O que deve ser feito para solucionar este desastre social?

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