Mini contos

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por wagnerpask


O chimarrão.

Alertar new! Bradou a tevê, chamando a atenção de Maria. O jornal da região, sempre que citava sua cidade, era um prelúdio de desgraças, e a rechonchuda mulher adorava tais fatos. Logo após o intervalo comercial: Morte em Cerro, interior Paranaense.

Maria da TV o olhar. Gostava das visitas invernais de Hermes, o irmão. Era nesses momentos que podia reviver as origens: sentar ao redor de uma panela com pinhões cozidos ou de uma chaleira de ferro com água quente para o chimarrão; admirar o em chamas céu do fim da tarde e jogar conversa fora. Ano de 2017 ou 1980, não importava. Enquanto morasse naquele sítio cercado de araucárias e de ipês, manteria o estilo de rústico que fora ensinada a viver.

— Seu rapaz já tá quase um homem  —  Hermes comentou, unindo as mãos sobre a volumosa barriga. — Dezesseis anos e muito bonito. Deve ser um rapagão das moças.

— Pois sim. Meu Daniel já é garanhão — Maria respondeu, imersa em orgulho. Aquelas palavras açucaravam sua boca e faziam esquecer o sabor do chimarrão. — Namorador que só. Meninada vive grudada nas pernas das calças dele.

Segurando entre os dedos a cuia de chimarrão, o Irmão questionou onde estava o rapaz gabado. A resposta de Maria lhe causou imediato espanto.

— Você empresta o carro para o rapaz? Onde está com a cabeça, sua doida?!

— Meu menino precisa de confiança quando chegar às moçoilas. — Respondeu, coçando a testa rugosa. — E o carro é mais barato e seguro que levar elas prum motel. E eu num aceito ele trazer cabritinha nenhum "qui", pra casa...

— Diabos, mana — Hermes a interrompeu. — Ao menos você dá algum conselho pro rapaz?

— Pois claro: que use camisinha e se divirta. A mocidade é uma apenas. Meu bebê tem que viver!

Mil possíveis respostas passaram pela cabeça calva de Hermes, mas este conhecia a teimosia de Maria, então, ao invés de iniciar um épico debate acerca das mais variadas formas de se criar um filho, preferiu terminar seu chimarrão e devolver a cuia à irmã. Não se ensina trotares a uma mula xucra, pensou, mirando a irmã que atinha-se a preparar uma nova dose daquela bebida inconfundível.

Povo Paranaense, voltamos com o Alerta New. Maria levantou mais uma vez a orelha. Sabia bem o teor do que seria dito. A pacata cidade de Cerro acaba de sofrer um baque. Duas pessoas mortas e sete feridas.

— A gente tá ficando famoso — Disse a mulher de bochechas vermelhas, soltando uma sonora risada. — Tá inté na televisão. Deve ser mais alguma forra de bar. Aqueles pés-de-cana... deve ter sido tripas pra tudo qué lado.

— Que horror, mana — rebateu o irmão, tirando do bolso o celular que começara a vibrar. — Você é mais amarga que este chimarrão.

Maria deu de ombros.

"Número desconhecido", leu Hermes na tela do pequeno aparelho. Pensou, refletiu e por fim, cansado de trotes, rejeitou a ligação, devolvendo o aparelho ao bolso.

Racha no coração de Cerro termina em tragédia.

— Racha — D. Maria sibilou, enchendo para si a cuia de erva. — Esse povo desgraçado pensa que carro é arma. Daí vão pro colo do capeta e num sabem porquê.

— É a cultura do nosso país — Hermes contrapôs, puxando com os pés um banquete de madeira onde pudesse repousar os calcanhares cansados. — Se houvesse uma melhor educação...

Projeto "Vamos Conversar" (1ª Temporada)Onde histórias criam vida. Descubra agora