Mini contos

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Mais um texto simples e atrasado. :) bom, vou postar mesmo assim.

Enfim, batendo saudades já.

Carta póstuma da garota de vermelho.

Por que estou escrevendo esta última epistola e como sei o que é uma epistola? Ora, em primeiro lugar é porque morri, e quanto à segunda pergunta, bem, não tenho o direito de usar uma palavra bonita nem quando me arrancam aquilo de mais precioso que me foi dado?

Questiona-se se morri ou quem era eu?

Eu sou (perdão, eu era) aquela mulher que todas as noites “se apresentava” de vermelho na praça XV, requebrando e tentando vencer mais uma noite sob a luz cândida daquele poste. Você lá me via, olhava de canto e encantado e certamente, de mãos dadas à namorada, continuava a andar enquanto comentava para agradar a garota: “puta descarada aquela”. Me insultava, eu sei, mas nunca se imaginou comigo? Ora, a natureza humana é fantástica!

Eu nunca ouvi você pronunciar isso, e mesmo se ouvisse não consideraria um insulto. Muito menos agora. De puta à guerreira a linha é tênue. Nas ruas eu era um lixo humano, mas quando levava o mantimento para minha amada menina eu era uma vitoriosa. Falassem aquilo que falassem, a verdade continuou, continua e para sempre será aquilo que escrevi.

Naquela praça ganhei meu pão, meus trocados, minha vida. Alimentei uma filha (que alguém proteja), isso é o que importa. Nunca roubei um pão, nunca tirei de alguém aquilo que não fosse meu. Se você é um daqueles que passaram por mim escondendo o desejo e o asco, saiba que nunca fiz nada com algo que não fosse meu.

Mesmo sendo um alguém que nunca mal fez, isso não impediu que me tirassem aquilo que tinha de mais precioso. Era uma mãe, por isso de minha vida ser tão preciosa: minha filha era meu maior tesouro, mas e agora, sem mim, quem dela cuidará? Não serão aqueles que me partiram a cabeça, aposto.

Como morri?

Era sábado. Quase meia noite. Eu estava no mesmo local de todas as noites. Esperava um carro estacionar para eu pudesse ganhar o pouco de cada noite, mas o que aconteceu já era temido, contudo jamais esperado.

Eles estavam em seis; eu, cansada.

Eles vinham olhos enfurecidos na minha direção; eu tinha nas vistas esperança de escapar.

Eles queriam sangue; eu, um amanhã.

Fui cercada como aquele animal derrotado que em breve será devorado por leões. Eles rugiam, babavam, insultavam, incitavam e me desferiam tapas. Devia eu ter reagido? Como reagiria? Naquele momento eu só supliquei para que me deixassem voltar pra casa, mas repetindo as palavras que ouvi, uma puta não merecia tal coisa.

Eu era puta ou mãe? Eles mataram a puta ou a mãe? Matariam eles outras mães?

Só senti aquele pedaço de madeira contra minha testa e um viscoso liquido quente me banhando a face. Caí! Estava atordoada. Pedi para que pareasse, mas eles não pararam. Eles eram bestas do Diabo rasgando a carne de uma mãe: não tinha piedade nem sentimentos. Não queriam me ouvir, queriam apenas ferir. E feriram.

Naquela noite gritei e ninguém me ouviu; hoje grito e ninguém me ouve.

Naquela noite fui reduzida a um monte de carne ensanguentada e ninguém viu quem me deixou assim; hoje não passo de um vulto carregado pelo vento.

Hoje sou um resíduo da guerreira que já fui, e, assim como a maioria daqueles que me julgaram, a sombra de um nada.
Ora, se revolta por estar lendo a carta escrita por uma morta (como pode um morto escrever)? Jura mesmo que foi nisso que reparou?

Projeto "Vamos Conversar" (1ª Temporada)Onde histórias criam vida. Descubra agora