Mini contos

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A reunião.

A família estava toda reunida nos jardins da propriedade de Josué Sampaio. Todos os 94 membros daquele antigo clã da cidade de São Paulo estavam sobre o mesmo local, posando sorridentes para um fotógrafo escolhido a dedo pelo aniversariante da data.

O fotógrafo examinou o tripé onde colocaria a câmera. Repousou sobre ele a principal ferramenta de seu trabalho; olhou para o grande grupo e gesticulando com as mãos pediu para que se aproximassem uns dos outros. Agora estava perfeito! O profissional nunca estivera em um lugar parecido (usando como plano de fundo para a foto uma grande mansão com pilastras brancas e paredes cor-de-creme), nem com pessoas parecidas (que sorriam umas para as outras com uma contagiante felicidade).

Maria Sampaio, primogênita de Josué, posicionada à direita do espaço vago no centro da primeira fileira de familiares, com um terno e meigo sorriso na face, mandou um dos empregados trazerem o aniversariante. Quando o funcionário se afastou, acatando a ordem adornada com uma falsa simpatia, a quarentona emperiquitada olhou para o rapaz à esquerda do espaço vago e deixou os alvos dentes aparecerem em um sorriso: por fora era um anjo; por dentro o diabo!

Caio Sampaio, de pouco mais de vinte anos, era filho da velhice do anfitrião daquela festa. Rapaz sério, de porte e elegância. Tinha modos refinados e era, segundo o pai, o maior orgulho daquela família e seu sucessor na administração dos empreendimentos da nobre linhagem. O universitário retribuiu o sorriso da irmã, virou a cara, ajeitou o nó da gravata e voltou àquela postura de líder que ensaiara a semana toda diante do espelho. Era necessário apresentar-se à posteridade como um homem imponente, afinal, o testamento houvera sido redigido.

Pedro, irmão da finada esposa de Josué, posicionado na extrema direita da quinta fileira de familiares, olhou com desprezo todos os outros, detendo-se sobre duas pessoas em especial; duas mulheres que conversavam sorridentes. O cunhado não gostava daquela alegria; não gostava de ver nelas aqueles sorrisos escarnecidos. Isso fazia o velho pensar enquanto cerrava os dentes em uma fúria bestial “será que estão rindo de mim, essas criaturas?”. A cada novo riso, mais crescia a fúria dentro do velho cunhado do aniversariante; a cada sussurro no ouvido da outra, mais o velho magrelo queria atravessar toda a massa familiar e saltar nos cabelos das garotas e fazê-las admitir se era dele que tanto debochavam.

O Rabujo, tentando decifrar o escárnio das garotas, fitou Sueli, a mais jovem da dupla, casada há apenas cinco meses com uma advogada do Rio. Não gostava daquela garota, todos sabiam. Na festa daquela tarde, encenando um respeito que nunca existiu, abraçara a jovem e lhe desejara todas as felicidades do mundo. Mas, logo que a moça se afastou, o cunhado de Josué se juntou a Maria e outros três colaterais e juntos destilaram todo o veneno acerca daquela relação que, segundo eles, era a vergonha da família. Pedro não aceitava ver naquela garota um sorriso debochado! Ela era da família, isso é verdade, mas o homem a desprezava com todas as fibras de seu ser.

Débora, ignorante dos olhares maldosos de Pedro, aproximou a boca do ouvido da prima e sussurrou algumas poucas palavras enquanto olhava de canto para a perua na primeira fileira, à esquerda de onde ficaria o líder daquele grupo.

— Olha a cara dela, Su — Débora sussurrou. — Deve estar puta de raiva.

— Então é verdade — Sueli questionou, tapando com a palma da mão o riso que surgia. — Então vovô fez mesmo um testamento? Deus me perdoe, mas quando o vô deixar este mundo e o testamento for aberto, eu bem que quero ver a cara dela.

— A cara dela? Su, a tia Maria já falou que vai anular tudo. Ela realmente não se conforma em perder para o tio Bastardo.

Sueli. no espanto do momento, abraçou Débora e pediu que esta não pronunciasse ali o famigerado apelido.

Projeto "Vamos Conversar" (1ª Temporada)Onde histórias criam vida. Descubra agora