Mini contos

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O pássaro branco.

A ave de plumagem alva pousou no galho de uma arvore de folhagem verdejante

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A ave de plumagem alva pousou no galho de uma arvore de folhagem verdejante. Uma árvore viva no coração de uma selva cinzenta. A ave branca olhou para o prédio à frente: um bar aberto ao meio dia. O pássaro alvo gostava de empoleirar-se naquela planta imponente e espiar pessoas se assentarem às mesas para beber, conversar e paquerar.

Paquerar! A pomba branca, adepta dos bons amores, gostava de ficar ali, contemplando o iniciar de novos casais que surgiam. A ave pacífica gostava de pegar-se pensando: como é lindo o ser-humano.

A ave gostava de olhar os primeiros gestos daqueles belos jovens e daquelas charmosas moças dispostas a encontrar nas mesas de um bar ou na pista de uma casa noturna o amor de suas vidas. Ou, se o amor de uma vida ficasse para amanhã, pelo menos satisfazer o Id sentindo-se desejadas por indivíduos do sexo oposto (ou não).

O amor! Como é lindo amar. A pombinha que espiava os apaixonados gostava de ver o amor "afeto" uno ao amor "carnal". Amor é amor, a ave pensava. A criatura que descia e subia nos ares carregada pelos ventos via no nosso ser uma criatura como qualquer outra: escrava de impulsos selvagens. O homem, detentor de uma falsa sensação de poder, precisando se impor e destacar-se na eterna busca de reproduzir com o maior número de fêmeas possíveis; e a mulher, como escrava de instintos incontroláveis que clamavam à beleza, um instinto que, segundo o pequeno animal que limpava com os bicos as macias penas de seu corpo, era o nascedouro de toda a vaidade. A pombinha gostava de admirar. Muitas vezes não compreendia o porquê daquelas criaturas negarem a si mesmas com tamanho empenho, mesmo assim gostava deles. Gostava daquelas criaturas, ponto. Gostava do amor carnal que se desenvolvia com volúpia e terminava com eternas juras de fidelidade e companheirismo. O pássaro, admirador dos amores eternos, admirava os casais que naquele bar se formavam e pensava: será que a eternidade deles durará dois anos?

Oh, pomba branca, símbolo da paz! Ela olhava aqueles amigos embriagados; amigos que pregavam a superioridade do bicho homem, mas naquele momento, jubilando, nada mais faziam que deixar claro seus mais primitivos instintos: a vida em grupo. Gostava de ver aquela alegria toda e perguntar-se: qual o centro que os une, afeto ou oportunidade?

Os amigos levantaram os canecos em um brinde e a pomba farfalhou suave as asas. Era entendedora dos rituais. Sabia o que aconteceria depois daquele gesto simbólico de apoio.

Viu um dos amigos se levantar e afastar-se da mesa. Aquele espécime era bonito e imponente; aquele jovem humano estava confiante, dava para ver em seus olhos. Os amigos o incentivavam. O jovem caminhou pelo bar e parou diante de uma fêmea. Ele se apresentou, disse alguma coisa que a pombinha não conseguiu ouvir e a pretensa companheira de cópula retribuiu com um sorriso enquanto encaracolava no indicador uma mecha de cabelo.

A ave gostava de estudar aquelas criaturas e seu ritual padrão de acasalamento: primeiro a poção da coragem; logo em seguida o incentivo e o apoio dos machos secundários; então vem o primeiro contato com a fêmea; são ditas algumas palavras e, se a pretensa der sinais de aprovação é pago uma bebida; são proferidos alguns elogios tendentes a subir a autoestima da mulher e a parte física do primeiro contato tem início.

A pomba gostava do ritual padrão. Não era achegada àqueles romances que já começavam na parte física. O jogo do amor era mais empolgante. E desta vez, com o casal recém-formado, tudo correu conforme o pássaro esperava.

Todo o ritual correu e logo homem e mulher estavam envolvidos em um beijo longo que fazia seus corpos pegarem fogo. Ali surgia o amor. Que amor? Ora, ali surgia o amor!

A ave bagunçou mais um pouco as penas com o bico e voltou a olhar para o bar. Viu um homem se aproximando com passos largos e rugas na testa. A ave conhecia aqueles olhos fumegantes: ele estava apaixonado.

Outros humanos diriam que ele estava furioso, mas nosso pássaro branco preferia conceituar aquelas chamas negras de paixão. O que é o ciúme doentio senão um efeito colateral de estar apaixonado?

O homem de olhos fumegantes entrou no bar. Entrou chutando mesas e quebrando garrafas. Outros diriam que aquele macho humano furioso estava consumido por uma cólera bestial, mas para o pássaro de penas alvas aquele homem estava movido por sentimentos mais que naturais. A posse e o desejo por fidelidade é natural, pregou a pomba.

A ave viu aquele espécime apaixonado andar até os "pombinhos" que celebravam o amor carnal e os afastar com uma bofetada violenta. Talvez o amor terminasse ali; talvez o triangulo deixasse de existir; talvez vidas fossem extirpadas naquele momento. Muitas hipóteses, mas a pomba estava farta de ver e farfalhou as asas.

Cólera! A fúria, no caso em questão, era um elo daquele amor.

A ave bateu as asas e voou. Gostava de ir além das nuvens quando o amor doce e quente era deixado de lado. A pombinha voou para além de onde os estampidos conseguiam alcançar. A pombinha voou e deixou para trás três animais. Deixou para trás três escravos dos instintos. Deixou três amantes? Talvez.

Projeto "Vamos Conversar" (1ª Temporada)Onde histórias criam vida. Descubra agora