Mini contos

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Primeiro encontro.

Eis, sob os pés da garota, um gélido piso alvo salpicado de vermelho. Vermelho vivo como o sangue que faz bater nossos corações. Mas o rubro que contrastava com a alvura daquela base não era o representativo do esvair de uma vida e, sim, um tapete de pétalas de rosas.

A garota de pijamas caminhou, andou, buscou. Prestou atenção a todos os detalhes. Estava confusa. Onde estaria e por que nenhuma viva-alma surgia para estender-lhe a mão? Ela estava em pânico? Não! Por que a jovem não estava amedrontada?

O medo, todos dizem, como outros sentimentos, nasce no coração.

Palavras poéticas, não há que se discutir, contudo os sentimentos não nascem dentro de nós. Eles são tudo que aquilo que nos faz humanos. Eles são o solo onde germinamos até haver força para se elevar em busca do sol, passando de pequenas sementes secas a grandes e frondosas árvores; eles são a crisálida onde nós (enquanto vermes) nos isolamos, refletimos, aprendemos a valorizar aquilo que deve ser valorizado e então, somente então, ganhamos asas e somos liberados para voar. Somos um universo; e os sentimentos, deuses.

Os sentimentos habitam nosso coração como jardineiros que admiram a própria obra. Eles estão dentro de nós, nos orientam, nos punem. Eles estão dentro de nós, nos guiando e a gente nem suspeita.

Agora me responda: por que a menina, mesmo de pijama sozinha dentro de um aeroporto mal iluminado, não sentia medo? Ora! Não há um motivo. O Deus Medo fora subjugado e não estava ali para conduzir aquele momento e ponto.

A jovem do pijama branco caminhou descalça, sentindo as pétalas macias lhe tocando a planta dos pés.

Um belo tapete vermelho conduzindo para um largo portão de colunas brancas e passagem de um breu intransponível. O que era aquele portão sombrio? Que monstro ali habitava?

Ela devia ter medo, mas sorria; devia correr, mas parara diante daquele portão rumo ao desconhecido. Diante da passagem ela estacou, pôs as mãos na cintura e fechou os olhos quando uma brisa beijou-lhe a face e fez esvoaçar seus cabelos. O vento suave carregava junto de si um perfume amadeirado que invadia as narinas da jovem e se espalhava pelo cérebro, a fazendo sorrir ainda mais.

A brisa soprou mais uma vez. A jovem sentiu o peito transbordar de um sentimento agradável. Ela cerrou os olhos para melhor enxergar o vulto que tomava forma atrás daquela cortina de sombras que era o grande portão. Aquele vulto estava em movimento. Era alguém que surgira do desconhecido e vinha em sua direção.

A garota adiantou-se mais um passo. Com apenas mais um movimento entraria nas travas. Seria aquilo treva?

O vulto aproximou-se e estacou.

A moça podia ouvir e sentir a respiração daquele alguém.

O vulto lhe estendeu a mão. Não era um clamor nem uma saudação. Aquele gesto estava mais para um convite. Um "venha comigo".

"Venha comigo". Quem ou o que era aquilo? A garota não queria saber. Levou à frente a mão para aceitar aquele convite do desconhecido. Ela levantou a mão e tentou se unir àquele vulto que surgira do portão de molduras brancas, mas antes que os seus dedos se tocassem, uma mão fria (membro de um cadáver regurgitado pela terra) segurou seu braço.

"Onde está com a cabeça, Isabela", aquilo que obstara a união sussurrou no ouvido da bela jovem.

A garota direcionou cautelosa o olhar. Aquela mão fria e ressequida não devia ser melhor que o resto daquele corpo.

O coração, onde estavam todas as coisas importantes para a jovem, foi saqueado até restar apenas uma dor angustiante, como se um anel de arame farpado o estivesse ornamentando; os olhos que viam a luz da esperança até nas trevas do desconhecido fora apagada e aqueles vitrais da alma arderam ao toque de lágrimas pesadas; a iluminação fraca que deixava amarelado os cantos do aeroporto se extinguira, mergulhando todo aquele ambiente em um azul macabro (seria aquela luz oriunda das chamas do inferno ou do raiar da desconfiança?).

Projeto "Vamos Conversar" (1ª Temporada)Onde histórias criam vida. Descubra agora