Capítulo 28

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Então galerinha, capítulo fresquinho.

- Ice

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Eram nesses dias que a coroa do Rei de Espadas costumava pesar a minha cabeça, a luz da lua iluminava as forjas como um holofote ao iluminar de um palco. Um trovão ao fundo clamava prepotente por uma tempestade.

Encarei meu reflexo nos grandes portões negros das forjas da Morte, espalmei minhas mãos no material frio em que ele foi moldado. Minha mente se aprofundou rapidamente em um déjà vu, já havia me encontrado naquela mesma situação uma vez, o peso dos portões nas palmas das minhas mãos e a proveitosa sensação de que tudo estava prestes a mudar.

Esperei que o portão abrisse e ele abriu, como cortinas dando o prelúdio do meu próximo ato.

—Bem-vindo, Príncipe. — O holofote se voltou rapidamente para Morte, fazendo brilhar na escuridão sua pele pálida e seu sorriso sarcástico. Ela parecia saborear as palavras, talvez soubesse que seriam suas últimas, ela sempre sabia um pouco mais do que deveria.

—Adieu, Mort. — Morte flutuava em uma plataforma a alguns metros do chão, as correntes que a seguravam balançavam e ruíam com o forte vento da noite. A arma em minha mão não pesava, a coroa sim. Cinco balas no tambor, cinco alvos a atingir, antes de terminar a noite faltariam quatro.

O tiro ecoou pela noite de Londres, o fim da Morte concedia vida eterna aos mortais. Seu corpo preencheu as forjas, agora frias e sem vida, com um baque surdo, os seus olhos cinzas brilharam hoje pela última vez.

A chuva se iniciou, como se o próprio céu chorasse sua morte.

— É realmente uma pena. — Me aproximo de seu corpo tirando de meu bolso um cravo branco, a flor da Morte. — Achei que você me divertiria mais um pouco. — Me ajoelho e ajeito seus braços pálidos sobre o peito segurando o cravo.

O grande dragão de metal se erguia em minha frente, de sua cabeça cresciam canos de escape, suas asas cobriam quase todo o teto das forjas, compostas por ligas de metal e revestidas por um tecido leve, porém resistente o suficiente para fazê-lo voar. Grandes e afiadas garras cresciam das pontas de seus dedos, assim como os dentes saiam de sua mandíbula, seu pescoço e tronco possuíam um leve dourado que contrastava com a prata e o bronze de suas costas e membros. Uma verdadeira máquina de caos.


— Parece que se meteu em confusão com algo de garras cruéis. — Um arrepio subiu pela minha espinha e terminou em minha coroa. A toquei por reflexo me distraindo e rasgando o tecido da luva. —Era isso que queria? O fim da Morte?

— Não queria precisar fazer nada disso. — Olho atentamente ao meu redor, mas não consigo ver ninguém. A voz me era familiar, o jeito sereno e, ao mesmo tempo, penetrante de se falar, como se tudo fosse acontecer perfeitamente como planejado.

— Você está em dívida conosco, lhe demos a coroa. — A voz rodeava o lugar, como se quem falasse não estivesse ali. Ruídos se espalhavam pelo local como se o mesmo estivesse ganhando vida.

— Já trabalhei tempo demais para vocês, Cheshire. — Ao falar seu nome um grande sorriso branco e olhos azuis apareceram na minha frente, como se surgisse em pleno nada.

—Só estou aqui para passar a mensagem, eu nunca me envolvo em política. Toda a conversa sobre matança e sangue me faz perder a vontade de tomar chá. — Isso era realmente a verdade, raramente o gato sorridente aparecia nas reuniões, e quando o fazia ficava, em suma, quieto ou mudava o assunto.

— "O mundo desmorona e o pobre Cheshire perdeu a vontade de tomar chá. "— Essa era sempre a resposta do Chapeleiro quando o gato começava a mexer incessantemente o chá com a colher e se ausentava da discussão.

Assim que ouviu a frase seu longo sorriso se transformou em um rosto tão sério e rígido que era possível nota-lo por debaixo de sua máscara.

— Cuidado com as palavras, lembre-se que ainda possuímos o seu segredo, Príncipe. — Ainda não era a hora para desafia-lo, não enquanto aquilo importava, não enquanto eles tivessem algo que deveria ser apenas meu.

E como se nunca estivesse lá ele desapareceu, realmente, nenhum personagem se encaixaria melhor para o mesmo.


Vivemos em uma sociedade em que o tempo evapora assim como um gato sorridente, a humanidade corre e corre, dando desesperadas voltas atrás de seu próprio rabo e nunca chegando a lugar nenhum, atrás de objetivos fúteis e impossíveis, atrás de sonhos idealizados e irreais.

Sendo corroídos pelas areias do tempo, que nos degradam e enferrujam, nessa constante perda de tempo me sobrava uma única pergunta. A pergunta que todos deveriam fazer, e que apenas nós sabemos nossa própria resposta, afinal, apenas nós entendemos nossos próprios tics e tacs, nossos ponteiros que nos algemam e nossos relógios que nos oprimem, nosso próprio tempo.

— O quanto eu estou atrasado para o chá? — Do bolso sem cravos puxo um antigo relógio, redondo e dourado, aperto o pequeno botão no topo da circunferência para que ele abrisse, dentro não haviam números ou ponteiros, mas apenas engrenagens, afinal o tempo é apenas isso.

As engrenagens do mundo.

Ouroboros - A Nova OrdemOnde histórias criam vida. Descubra agora