Pegadas na lama do Nilo

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"Venho diariamente, venho diariamente. Eu encontrei uma maneira. Eu avanço sobre o que foi criado por Anpu (Anúbis). Eu sou o Senhor da Coroa de Urrt. Eu Sou o possuidor do conhecimento das palavras do poder mágico, eu sou o vingador de acordo com a lei, tenho vingado o prejuízo para o seu Olho. Eu defendi Osíris. Eu realizei a minha viagem. O Osíris Ani avança com você com a palavra que é verdade."

~Fragmento do Livro dos Mortos

Ísis se sentava no muro da varanda de seu luxuoso palácio enquanto pensava. Para qualquer um que passava, a bela mulher poderia estar só admirando o sol que se punha entre as dunas do deserto, mas não, ela pensava sobre a conversa que havia tido algumas horas antes com a irmã Néftis. Estava preocupada com a irmã, sabia que Set não era exatamente um homem muito compreensível e carinhoso. Depois que Néftis saiu, Ísis achou que ela talvez precisasse de algum tempo para organizar os pensamentos e, por isso, não foi atrás da irmã. Algum tempo depois, quando decidiu ir até o palácio de Néftis, descobriu que ela não estava lá e isso a deixou preocupada. Ísis suspirou e se levantou para ir mais uma vez até o palácio da irmã na esperança de que ela tivesse voltado.

Enquanto a deusa andava para o palácio próximo, apesar da preocupação que enchia seu coração, ela permanecia andando de forma elegante e decidida, assim como era esperado daquela que um dia seria a rainha quando Osíris herdasse o trono. Havia alguma especulação quanto a quem deveria ter o trono, Osíris ou Set, a maioria parecia concordar que Geb provavelmente escolheria Osíris.

Ao chegar ao palácio, Ísis encontrou Néftis sob a sobra de uma das palmeiras que havia sido plantada ao lado da piscina que havia no cento do pátio de entrada do palácio. Chamar de "piscina" seria demais ao se considerar o entendimento de piscina atual, o buraco quadricular repleto de água não tinha mais do que dois palmos de profundidade.

Era difícil ler o olhar de Néftis, ele parecia estar vazio e ao mesmo tempo pensativo.

— Néftis? – perguntou Ísis ao se aproximar da irmã e lhe tocar o ombro. Com as duas juntas daquele jeito, ambas com o olhar de preocupação, era mais fácil ver a semelhança que as duas tinham, especialmente quando se considerava que ambas se vestiam de forma elegante com o mais fino tecido e se enfeitavam de joias nos cabelos e no corpo. As maiores diferenças, no entanto, estavam na vida mais triste que Néftis levava e também na lama que cobria a barra de sua saia de quando ela passou perto das margens do Nilo.

— Irmã... Está feito. – disse Néftis sem desviar os olhos da água – Não me convença a desfazer o que fiz.

— O que exatamente você fez? – perguntou Ísis sentindo a preocupação crescendo dentro de seu coração.

— Deixei-o no deserto – tais foram as palavras de Néftis que imediatamente fizeram Ísis soltar o ombro da irmã e a olhar com surpresa e incredulidade – O deserto decidirá o destino daquela criança.

— Você enlouqueceu!? De todas as decisões que você poderia ter tomado... – disse Ísis.

— Não! Não enlouqueci! – disse Néftis encarando a irmã – Não ouse julgar minhas ações! Não sabe como é estar em meu lugar!

— M-Mas... Seu próprio filho! – implorou Ísis.

— Filho dele! Filho de Set! – rebateu Néftis – Pra você é fácil falar, tendo Osíris como marido! Não deixarei que esse mesmo erro se repita. Não engravidarei novamente dele!

— Onde deixou o bebê? – perguntou Ísis de forma firme ignorando os ataques de raiva da irmã.

— No deserto, perto de umas pedras e não muito longe do Nilo. Nada mais posso dar de referência a você, não o quero por perto, mas também admito que tenho certo receio da decisão que tomei – disse Néftis – Faça o que achar melhor com essa informação.

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