A tempestade chegou enquanto estávamos no mar,
antes de nos aproximarmos da terra.
Enquanto navegávamos,
fez um uivo contínuo,
levantando um vento.
Havia ondas de oito côvados.
Um pedaço de madeira me atingiu.
~ Fragmento de "O conto do marinheiro naufragado"
Suavemente, o vento batia nas folhas douradas dos juncos que se aglomeravam aos centenas e milhares até onde a vista alcançava. Uma visão aérea, no entanto, mostraria que havia um pequeno pedaço da imensidão dourada que estava com um buraco. Esse buraco, era causado por mais do que uma falha no crescimento dos juncos, a causa principal era que havia ali um rapaz deitado. Esse rapaz, era ninguém menos do que Anúbis.
Com um suspiro de completo relaxamento, ele deixava seus olhos fechados também enquanto aproveitava um breve momento de descanso merecido enquanto, grudado nele e usando seu braço como travesseiro, estava Neby. Na verdade, com ele estava bem mais do que apenas Neby, pois do outro lado um outro chacal dormia e, ao lado dele, um cachorro.
Por mais prazeroso que fosse descansar, o relaxamento do deus foi interrompido quando um outro cachorro abriu caminho entre os juncos e a primeira coisa que fez foi começar a lamber o rosto de Anúbis.
Os dois cachorros eram bem parecidos, tanto o que havia o lambido como o que até então estava deitado na relva. Ambos eram da raça basenji, o tipo mais comum naquela região. De pelo corpo esbelto, focinho fino e estatura mediana. A diferença entre os dois era que um era macho e de pêlo completamente caramelo, enquanto o outro era fêmea e de pelagem branca e preta.
- Certo, certo, também não precisa me lamber todo. - reclamou Anúbis deixando os olhos fechados ainda enquanto se sentava.
Com um pequeno latido de felicidade, o cachorro caramelo sentou-se no chão enquanto Anúbis fazia o mesmo e então limpava o rosto magicamente. Todavia, apesar da limpeza mágica, era difícil resistir a tentação de passar as mãos nos olhos também.
- Porquê não consegue ficar quieto como os outros? - perguntou Anúbis com um suspiro e um pequeno sorriso enquanto se levantava e admirava a paisagem ao seu redor por alguns instantes.
Olhando o que o envolvia, Anúbis pode ver que, apesar dos juncos continuarem infinitamente, eles eram interrompidos por algumas casas e vilas que marcavam o horizonte. Estas eram moradias onde os mortos que agora chamavam o Aaru de lar haviam se instalado. Quando Anúbis se levantou, os outros caninos também o fizeram e aquele que havia lambido o rosto de Anúbis, o cachorro caramelo, latiu uma vez respondendo a pergunta que Anúbis havia feito.
- Eu sei que quer brincar. - disse Anúbis - Tem muitos cachorros e chacais por aqui. Não precisa esperar por mim para brincar.
Um resmungo canino, quase um pequeno choro, foi o que Anúbis recebeu de resposta dos quatro animais, principalmente de Neby. Esses pequenos sinais dos cachorros e dos chacais, juntamente com seus latidos e uivos, faziam parte da conversa que, para ouvidos estranhos, podia parecer até como um monólogo esquisito. Contudo, era fato que Anúbis entendia cada palavra dita por aqueles animais tal como se eles estivessem falando egípcio, e, de forma semelhante, as falas dele eram recebidas pelos animais.
VOCÊ ESTÁ LENDO
A Morte Das Areias do Saara
Ficção HistóricaAntes de as pirâmides serem construídas, as areias do Saara, as águas do Nilo e suas margens pertenciam aos deuses. E, dentre esses deuses egípcios que reinavam, protegiam e castigavam os humanos, existia um deus conhecido por sua ligação com a mort...