Então Nefer-ka-ptah se levantou na barcaça real e, do outro lado da água, gritou para as cobras, escorpiões e criaturas rastejantes; um grito alto e terrível, e as palavras eram palavras mágicas. Assim que sua voz se acalmou, as cobras, escorpiões e coisas rastejantes também ficaram, pois estavam encantados por meio das palavras mágicas de Nefer-ka-ptah e não podiam se mover. Nefer-ka-ptah trouxe a barcaça real até a borda da lacuna, e ele caminhou entre cobras e escorpiões e coisas rastejantes, e eles olharam para ele, mas não podiam se mover por causa do feitiço que estava sobre eles.
~ Fragmento de "O Livro de Thoth"
Apesar dos problemas que se acumulavam, a tranquilidade da praia conseguia levar eles para longe junto com as ondas. Talvez porque os problemas estavam mais concentrados em outros deuses que não eles. Assim, conforme o sol começava a iluminar o Egito e refletir seus raios nas águas do Nilo, a reunião descontraída que havia começado só com Anput, Sopdet e Seshat, já havia dobrado de tamanho.
Com os pés na água, Anput e Nefertem simplesmente aproveitavam a temperatura da água e o barulho das ondas se quebrando na areia enquanto Sodpet estava deitada de olhos fechados aproveitando o segundo. Perto da fogueira que já havia se apagado, Anúbis, Qebui, Seshat que conversavam enquanto Seshat ensinava Anúbis a tocar um alaúde importado da Suméria. O instrumento, um tanto diferente de sua versão medieval que ainda estava longe de nascer, tinha um médio e fino braço onde os fios se amarravam até chegarem à um ressonador de concha de tartaruga. Lá, os fios se escondiam no interior do casco ao ficarem debaixo de uma camada de pele.
- Não acredito que você foi na Suméria só pra pegar isso... - disse Qebui olhando o instrumento tentando descobrir o que tinha de interessante.
- Eu não. - disse Seshat - Hathor foi para isso e outras coisas. Apenas pedi um de lembrança.
Sem ter muita ideia de como tocar o instrumento que tinha nas mãos, Anúbis arriscou dedilhar uma das cordas para ouvir o que saía. O som diferente mas meio rústico que saiu o motivou a tentar uma segunda corda e ele, apesar de não saber muito de música, ficou se perguntando se dava para criar alguma coisa com aquilo.
- Tenta assim... Segura aqui... assim... - disse Seshat tentando ajudar ele a tirar alguma sequência de nota que parecesse ao menos minimamente interessante - Se você mudar a posição da mão, o som também muda mesmo se você puxar a mesma corda.
Anúbis tentou o que ela falou e ficou evidente em seu rosto a surpresa ao notar que som havia mesmo mudado.
- Não tem esse instrumento no Egito ainda? - disse Anúbis insistindo agora nas duas únicas notas que pareciam combinar entre si mas que ainda estavam longe de, juntas, serem uma música.
- Não. Ao menos segundo Hathor. - disse Seshat - Ainda também é bem caro por lá também.
- Vocês estão mesmo falando sobre instrumentos musicais ao invés de falar do maior babado provavelmente da década? - disse Nefertem se agachando até as mãos conseguirem entrar na água também e então levantando-se novamente passando então as mãos molhadas pelos longos e belos cabelos cacheados. - Um mortal roubando algo dos deuses enquanto seu pai fecha todos os templos!
- O que mais temos para falar disso? - perguntou Qebui.
- Me intriga que Thoth não é tolo. - disse Anúbis suspirando e desviando a atenção do alaúde - Não deixaria algo perigoso assim tão fácil por aí.
- Mesmo se fosse pra... não sei... querer ver o que aconteceria? - perguntou Sodpet.
- É verdade que tudo para ele é um grande projeto, experiência ou descoberta... - ponderou Seshat - Mas ele não seria imprudente à esse ponto... eu acho ao menos.
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A Morte Das Areias do Saara
Historical FictionAntes de as pirâmides serem construídas, as areias do Saara, as águas do Nilo e suas margens pertenciam aos deuses. E, dentre esses deuses egípcios que reinavam, protegiam e castigavam os humanos, existia um deus conhecido por sua ligação com a mort...