Vento e trovão na escuridão do submundo

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Ele me disse: "Não tema, não tema, plebeu.

Não embale seu rosto já que você me alcançou.

Eis que foi Deus quem fez você viver, ele o trouxe a esta ilha de ka.

Não há nada isso não está dentro dele; está cheio de todas as coisas boas. Eis que você fará mês após mês até completar quatro meses em casa nesta ilha.

Um navio voltará de casa com marinheiros que você conhece.

Você voltará para casa com eles e você morrerá na sua cidade.

~ Fragmento de "O conto do marinheiro naufragado"

Uma nuvem tímida de névoa embaçava a paisagem deprimente do Kur. Tudo estaria silencioso lá se não fosse o som da luta, da nuvem de mosquitos zumbindo insistentemente e das almas penadas que fantasmagoricamente reclamavam baixinho como uma música de fundo. Acompanhando o uivo macabro das almas, o agudo grito de uma das Lamashtu se rebatia nas paredes rochosas enquanto ela tinha sua alma retirada de seu corpo forçadamente por Anúbis.

O berro da Lamashtu era sofrido e, a cada milésimo de segundo que se passava, ele começava a ser cada vez mais interrompidos por soluços que ficavam gradualmente mais longos. O sofrimento do demônio aumentava conforme os poderes de Anúbis voltavam até que, como se algo estivesse estralado, o grito cessou. A criatura jazia no chão do Kur estatelada e com os olhos esbranquiçados fitando sem ver o teto do submundo.

Anúbis soltou um suspiro relaxado ao ver sua adversária do momento imóvel, morta, no chão. Era bom ter os poderes de volta. Contudo, não sabia se teria problemas com Ereshkigal por ter matado uma de suas serviçais, por mais que tenham se virado contra ela. Resolveria isso depois. No momento, se virou para a segunda Lamashtu que se contorcia conseguindo se livrar das faixas de linho enquanto ignorava despreocupadamente os múltiplos pequenos fragmentos de alma levemente esbranquiçados e fumacentos que subiam lentamente para o teto depois de terem sido forçadamente arrancados do corpo onde moravam.

Não muito longe dali, a poeira cinzenta do chão do Kur sujava o vestido e a bochecha de Anput. Caída no chão fraca, a deusa sentia a ânsia de vômito subir pela sua garganta. Seu corpo estava pesado e quente. Naquele estado deplorável, Anput se sentia pequena, fraca. Estar recuperando os poderes não parecia estar fazendo tanta diferença assim. Era um lembrete dolorido de que ela não era nem de perto tão forte quanto Nergal e isso a deixava com raiva.

Com a visão turva, Anput só conseguia ver uma das mãos de Imhotep e alguns mosquitos irritantes voando ao redor do alvo mais atrativo, Imhotep e seu sangue mortal, tão fácil de matar. Anput notou revoltada como aparentemente precisaria de ajuda.

Fracamente, ela começou a se erguer ainda mantendo os joelhos no chão, suas pernas tremendo pelo esforço, uma pedra embaixo da sua mão que se apoiava no chão tornando o processo mais incômodo, o pulmão doendo como se carregasse peso. A tentativa de se levantar fez ela ter uma visão melhor da situação ao seu redor. À esquerda pequeno Ninazu à olhava. Deitado no chão aparentemente com dor e tentando também se levantar. À direita, Imhotep poderia muito bem estar morto se não fosse uma leve movimentação que via em seus lábios. Não tinha muito tempo e estava longe demais dos outros para poder pedir qualquer ajuda ou para que eles vissem a situação.

Mais perto de Anúbis do que de Anput e desconhecendo a situação na qual Anput, Ninazu e Imhotep estavam, a briga continuava entre os sumérios. De pé com o queixo erguido em orgulho e asas abertas como prova de sua altivez, Inanna encarava a irmã com um olhar frio que continha uma única gota de angústia.

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