Alma

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Não deixe meu corpo tornar-se vermes,

mas me livre como tu livra a ti mesmo.

Peço-te,

não me deixe cair na podridão,

como tu permite todo deus,

e toda deusa,

e todo animal,

e todo réptil,

ver corrupção, quando a alma saiu deles,

após a sua morte.

~Fragmento do Livro dos Mortos

Tremendo, Anúbis segurava o corpo de Neby enquanto lágrimas escorriam de seu rosto para o corpo do animal que por tanto tempo esteve ao seu lado. Anput também chorava e segurava com firmeza o ombro de Anúbis na esperança de tentar diminuir a sua dor que parecia só crescer. Anput pode ver a prova dos sentimentos quando percebeu algo estranho e levantou a cabeça para poder ver o que era. Ao redor dos três, uma névoa negra começou a surgir. Não precisou de muito para Anput entender que aquela névoa que lentamente os rodeava era provavelmente fruto do pesar de Anúbis.

Entendendo bem a situação, Anput interrompeu seu próprio luto e ficou ajoelhada em frente a Anúbis. Delicadamente, ela limpou as lágrimas que escorriam e juntou sua testa na testa dele. Não haviam palavras para serem ditas, afinal, nada poderia mudar o que havia acontecido. Não adiantava Anput falar que eram as ordens das coisas, falar que seres mortais devem morrer, pois assim funcionava o ciclo. Afinal, de que adiantaria se Anúbis sabia muito bem disso. E ali a jovem ali permaneceu, mesmo quando a névoa negra explodiu ampliando-se rapidamente para tudo ao redor fazendo com que a palmeira ali perto rapidamente secasse e morresse mas deixando os três no meio completamente ilesos.

Eventualmente a névoa começou a diminuir conforme Anúbis respirava fundo. A névoa negra foi diminuindo e diminuindo até que sumiu completamente. Apesar disso, Anput não conseguia evitar pensar que, mesmo numa breve falta de controle, ele ainda havia controlado a névoa o suficiente para que ela não atingisse ninguém.

Mesmo com a névoa sumindo completamente, Anúbis não fez qualquer menção de se levantar. Ele permaneceu ali, segurando nos braços o corpo de Neby. Em silêncio ele permaneceu, com Anput à sua frente. Certamente mais de uma hora de passou quando Anúbis se levantou levando Neby consigo. Afinal, tinha uma última promessa a cumprir para o velho amigo. Iria sim cuidar dele.

E assim, dentro daquela singela casa com vista para o mar, Anúbis começou o longo e demorado processo de mumificação. Por mais de um mês ele trabalhou só parando quando a única coisa que precisava fazer era esperar, e fazia isso sentado olhando para o mar. Anput ajudava sempre que podia, o que não eram muitas vezes, pois Anúbis pouco falava e nem parecia se importar quando qualquer um dos outros deuses ia até lá para falar qualquer coisa que fosse.

Com o passar dos dias, de mumificação à rituais, Neby recebeu tudo ao qual tinha direito. Segurando a múmia de Neby em seus braços, Anúbis saiu da singela casa e caminhou até um ponto onde a areia da praia era mais fofa enquanto Anput o seguia. Nefertem, Qebui e Néftis também estavam lá. Resolveram aparecer depois de ouvir que Anúbis estava sepultando Neby embora talvez Néftis tivesse mais intenções de entrar mais nas graças do filho do que de realmente honrar o chacal falecido. Ali, no meio da areia fofinha, Anput fez uma breve magia e fez surgir uma plataforma retangular feita de pedra. Um pouco mais baixa que uma mesa e do tamanho perfeito para deitar o corpo de Neby, e foi o que Anúbis fez.

A Morte Das Areias do SaaraOnde histórias criam vida. Descubra agora