Os pesadelos alcançam

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Eu entrei na casa de Astes. Eu fiz súplica aos deuses Khati e a Sekhmet no templo da Net, ou aos antigos. Eu entrei em Ra-stau. Eu me tornei invisível. Eu encontrei a fronteira.

~Trecho do Livro dos Mortos

A cor sumiu do rosto de Ísis no curto fragmento de segundo. Tal fragmento foi suficiente para que o linho da roupa de Anúbis se manchasse com o seu sangue. Não vermelho, pois o sangue dos deuses não é vermelho, mas sim num tom prateado como se fosse prata líquida ou mercúrio. Neby se levantou e num pulo correu para uma das pernas de Sekhmet enquanto as pequenas mãos de Anúbis tentavam, trêmulas, abrir a mandíbula da leoa. Tudo isso, no entanto, aconteceu rapidamente pois Ísis já apontava a palma da mão na direção do conflito e gritou o feitiço.

- FAH!

A palavra divina fez com que Sekhmet abrisse forçadamente a boca fazendo ecoar levemente o barulho de algo se estralando conforme o fez. Com um baque seco, Anúbis caiu no chão e Ísis o puxou para perto de si deixando uma trilha de sangue pelo caminho. A criança segurava a barriga, por onde o sangue saia. Segurando o queixo, como se a magia tivesse de fato machucado, Sekhmet olhou com o canto do olho para Ísis e rugiu. As duas deusas começaram a travar uma batalha entre si. Sekhmet com garras e dentes, Ísis com magia.

No canto do quarto, Anúbis sentava-se no chão encolhido com as mãos sobre a barriga ferida sob o linho ensanguentado. Seus olhos, trêmulos e cheios de lágrimas, olharam para a roupa suja com seu sangue prateado e então seguiram para onde o leão que Osíris matara jazia morto. Do cadáver do leão escorria o sangue avermelhado que sujava o pé da criança. Ciente da clara diferença, seus dedos entraram pelo maior rasgão da roupa e a dor ficou estampada no seu rosto no processo quando ele rasgou mais um pouco a roupa e viu, diante dos seus olhos, os machucados feios e profundos causados pela mordida de Sekhmet lentamente se fecharem até que nada parecia ter acontecido ignorando-se que ainda estava sujo de sangue.

Neby olhava para Anúbis, suas patinhas apoiadas no ombro do amigo conforme lambia seu rosto aparentemente feliz por ele estar bem. Anúbis, olhou para ele com um doce sorriso mas então olhou para Ísis e a preocupação percorreu seu olhar. Ísis era boa com magia, de fato, mas não era boa em luta corpo a corpo, uma especialidade de Sekhmet que a deusa leoa estava conseguindo tirar vantagem.

- Neby... – disse Anúbis pegando apressadamente o pequeno chacal e botando ele num cantinho do quarto meio escondido devido à um baú dourado – fique aqui, certo? Eu não posso deixar ela machucar mais ninguém!

Para Anúbis, aquilo foi apenas um pedido que fizera a Neby. Um pedido de um amigo que não queria ver o outro se machucando. A criança ainda não notara o controle que sua voz exercia sobre caninos. Para Anúbis, foi um pedido. Para Neby, foi uma ordem.

Não sabia lutar, todas as tentativas de magia foram acidentais, mas mesmo assim, Anúbis não pensou duas vezes ao se transformar num chacal e pular na garganta de Sekhmet mordendo a com o mesmo afinco que ela mordera ele. O garoto rosnava nem passando pela sua cabeça que havia conseguido chegar até o pescoço de Sekhmet apenas por que ela estava distraída com a luta contra Ísis.

Sekhmet se sacudia tentando se livrar da mordida, puxava a pata negra de Anúbis enquanto tentava se defender dos ataques de Ísis que agora ficavam mais insistentes, mas, pelo olhar dela, podia-se notar a preocupação em não acertar o garoto. Sangue prateado jorrava pela jugular de Sekhmet quando a mordida de Anúbis se soltou e o garoto caiu com as quatro patas perfeitamente no chão. Sekhmet tentou acerta-lo mais uma vez, mas Ísis a prendeu usando outra magia que segurou Sekhmet firmemente usando cordas feitas de luz mágica. O corpo da deusa leoa se encolhia no aperto causado pelas cordas. Ela tentava se soltar, mas era em vão. Anúbis rosnava, pronto para atacar de novo se necessário e Ísis sofria com o esforço de segurar Sekhmet comas cordas. Conforme o ferimento no pescoço de Sekhmet se curava, mais sua força reaparecia. Ísis não queria ter que pedir ajuda para Anúbis de novo, mas ele notou o que acontecia e começou a morder ou tentar morder Sekhmet. Amarrada, as defesas dela ficaram limitadas e, embora nem sempre conseguisse morder ou ficar mordendo por muito tempo, era o suficiente para distrai-la.

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