Em território estrangeiro

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Então fui lançado em uma ilha por uma onda do mar.

Passei três dias sozinho,

meu coração como meu único companheiro.

Descansando no abrigo de uma árvore,

abracei a sombra.

~ Fragmento de "O conto do marinheiro naufragado"

A única coisa que se ouvia era o doce e pacífico, mas às vezes aflito, murmurinho das preces dos fiéis que ressoavam pelas paredes e pilastras brancas e ricamente desenhadas do templo de Hathor em Mênfis. O templo, quase no centro da grande cidade, havia crescido com o passar das décadas e era um dos mais populares da capital egípcia apesar de não ter tanta gente ali naquele momento, afinal, o ponto onde o sol estava anunciava que logo a noite cobriria todo o Saara.

Andando pela parte mais interna do templo, onde apenas os sacerdotes podiam entrar, estava Hathor. Andando à passos elegantes, a deusa tocou delicadamente a ponta de dois de seus dedos sobre um incenso que estava apagado e magicamente acendeu-o para que o doce cheiro do incenso Kyphi inundasse o templo. Além de usado à noite nos templos, Kyphi era o incenso mais comum do Egito mesmo competindo com o Ihmut e a mirra, ambos importados de Punt. Isso porque também era altamente usado para fins medicinais.

- O bebê de Hetephernebti? - perguntou Hathor olhando para Anput que estava logo atrás dela com um olhar preocupado.

- Sim. - disse Anput - Eles querem tanto um bebê.

- Sei disso. Ela faz suas preces várias vezes diariamente. - disse Hathor com um pesado suspiro - Mas não posso simplesmente realizar o pedido de todos ou fazer com que todos os bebês nasçam saudáveis. Não devemos interferir tanto, sabe disso. Os humanos não podem ficar acomodados ou mal acostumados.

- Mas eles já perderam tantos bebês... - implorou Anput.

- Sei disso. - disse Hathor abaixando o olhar com uma expressão de tristeza - Não foram situações muito simples também. Lembro-me de que em uma delas o bebê estava mal formado.

- E o bebê de agora? - perguntou Anput preocupada e horrorizada pela informação.

- O bebê de agora está saudável. - disse Hathor - Mesmo que eu participe do parto, não será um parto fácil. Hetephernebti já perdeu muitos bebês, já fiz minha parte em permitir que ela tenha ficado grávida dessa garotinha. Eles com certeza tentaram bastante.

- Garotinha...? É uma menina então? - perguntou Anput já maravilhada com a ideia e imaginando a fofura da menina.

- Sim. - respondeu Hathor soltando uma leve risada diante da empolgação de Anput com a informação - Ajudarei em seu nascimento, para que consiga vir ao mundo de forma saudável. Mas Hetephernebti não engravidará mais. Isso é certo. Se ela passar por uma outra gravidez, será para Anúbis e Osíris que Djoser terá que orar. Tanto pela esposa, quanto pelo filho. E, por favor, não mencione o resultado dessa conversa com nenhum mortal. Não quero sujar meu nome caso não consiga cumprir minhas falas.

Com pesar, Anput recebeu aquela informação e respirou profundamente enquanto pensava em quão frágil e passageira era a vida dos mortais. Nascer, envelhecer, morrer. Um ciclo que não deveria ser quebrado mesmo pelo mais forte e influente dos deuses.

Depois de um breve processo de aceitação e reflexão da mortalidade humana, Anput perceu outro detalhe importante quanto a gravidez de Hetephernebti.

- Espera... se é uma menina... - disse Anput - Então... o próximo Faraó...

- Sim. - disse Hathor já entendendo onde Anput queria chegar - Quando Djoser morrer, é provável que o posto de Faraó vá para seu irmão mais novo, Sekhemkhet. Se Sekhemkhet ainda estiver vivo até lá. Não acho que Djoser vá desposar outra mulher caso morra depois de Hetephernebti. Também não acho que procurará uma segunda esposa ou uma concubina para poder gerar um herdeiro. Ele parece gostar profundamente de Hetephernebti e apenas de Hetephernebti. Assim, quem será o Faraó depois de Djoser é uma grande questão no momento. E depois disso também, pois Sekhemkhet também não tem filhos ainda. Nem casado é inclusive.

A Morte Das Areias do SaaraOnde histórias criam vida. Descubra agora